2 - Guilherme

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- E pra onde será que vai aquele? - o garotinho perguntou, apontando pra um avião que estava prestes a decolar

- Hmm, esse eu acho que vai pro Caribe - o pai do menino disse e ele sorriu

- Uau, isso deve ser muito longe - o pequeno falou espantado antes de dar um gole no seu chocolate quente, com cuidado para não queimar a língua

A tradição não podia ser quebrada, então no seu dia de folga, Jonas ia tomar chocolate quente com o pequeno Guilherme no aeroporto LaGuardia, em Nova Iorque.

Desde quando se mudaram para aquela grande cidade, tinham esse costume...ver os aviões decolando, pousando, pessoas se encontrando e se despedindo.

Eles amavam!!!

@Gui

Nem o cara dos poemas mais profundos do mundo foi capaz de vivenciar sensações tão intensas quanto um aeroporto.

Nesse lugar passam pessoas do mundo todo, com a alegria da chegada ou a tristeza da partida. Com o coração cheio de amor ou cheio de ódio. Com choros e sorrisos estampados no rosto. Discussões, declarações de amor. Tudo isso acontece todos os dias por aqui, e é por isso que eu sempre gostei desse lugar.

Me mudei para Nova Iorque com 5 anos, então não tenho muitas lembranças do Brasil...quase nada, na verdade. Quando saí de lá não tinha muitas amizades firmadas e nem nada parecido, o que foi bom, porque não sofri com as mudanças. Além da língua, é claro, que foi a minha maior dificuldade.

Lembro de algumas situações que, para uma criança era um pouco traumatizante, como quando eu confundia algumas palavras e começava a falar em português na escola. Eu só reparava quando as outras crianças começavam a rir de mim e minhas bochechas ficavam mais vermelhas do que o donuts que eu gosto de comer. Hoje eu dou risada disso também, a gente passa por cada coisa né.

Depois de imaginar os milhares de lugares que o meu pai falaria como destino dos aviões que decolavam no aeroporto eu dei risada e levantei de onde eu estava, deixando o dinheiro na mesa da cafeteria. Com ele isso tudo seria tão mais legal. Só que eu acredito que daqui a pouco tempo ele estará aqui comigo de novo.

O meu pai teve alguns problemas cardíacos, decorrentes dos cigarros que ele fumava quando era jovem e do estresse diário. Depois de várias idas ao hospital, ele acabou tendo que ficar internado, e eu, como já tinha começado a faculdade, acabei ficando responsável por cuidar da empresa durante esse tempo.

Meu pai é responsável pela maior rede de hotéis da América. Depois dele receber uma proposta para administrar um hotel aqui, nos mudamos de país e o negócio foi crescendo cada vez mais. E posso dizer que eu aproveitei muito bem a minha fase adolescente, porque nem todo mundo tem a possibilidade de morar em um hotel de luxo em plena Nova Iorque.

Fui caminhando em direção a área de desembarque, afim de chegar na saída, mas ainda observando o vidro que nos permitia ver os aviões na pista.

- Can I help you, darling? (Posso te ajudar, querida?) - ouvi as conversas alheias que soavam pelo lugar

- Oh yes, where can I get a taxi? (Ah sim, aonde eu posso pegar um taxi?) - uma voz feminina falou, atraindo meu olhar

Era uma loira, altura mediana, com uma roupa que aparentava ser bem confortável e quentinha, considerando o frio que estava fazendo aqui.

- I'm sorry darling, but all the taxis are busy. (Eu sinto muito querida, mas todos os taxis estão ocupados) - ele disse, indo auxiliar uma senhora que pediu ajudar perto do guichê de despache

- Ah caô, só pode vei - ouvi ela falando e a minha risada saiu involuntariamente, fazendo com que a moça me olhasse - Brasileiro né?

- Carioca né? - perguntei ao mesmo tempo que a garota e ela soltou um sorriso leve

- Ai eu sempre consigo pagar mico nos lugares que eu vou - ela disse, com a mão na cabeça, puxando seu sotaque carioca ao falar palavras que terminavam em "S"

- Precisa de um táxi? - perguntei e ela concordou
- Preciso para pelo menos conseguir chegar no hotel que eu vou me hospedar esses dias - ela falou - Mas pelo visto meu sonho de andar num táxi amarelo vai ficar pra outro dia

- Que eu saiba os táxis do Rio também são amarelos - eu brinquei e ela concordou

- Quer mesmo comparar um táxi do Rio de Janeiro com um táxi de Nova Iorque? - o "R" quando ela falou o nome da cidade me fez soltar outro riso, fazia tempo que eu não ouvia alguém falando assim

- Bom, os táxis que ficam aqui no aeroporto são sempre concorridos, principalmente porque muita gente acaba fazendo reserva antes mesmo do voo pousar aqui - eu expliquei - Mas se vc atravessar a próxima avenida, consegue pegar algum tranquilamente. Não vai dar nem 5 minutos andando

Ela olhou para a quantidade de bagagens que tinha e concordou suspirando

- Ok...farei isso então - ela disse me olhando
- Posso te ajudar a levar as bagagens até lá - eu me ofereci para auxiliar ela e ela negou com a cabeça
- Não, imagina. Não vou ocupar seu tempo mais do que eu já ocupei - ela disse

- Que nada, se eu tô me oferecendo é porque você não vai atrapalhar né - eu falei, pegando duas de suas malas, pedindo permissão antes de caminhar - Posso?

- Já que você insiste - ela disse, pegando o restante e eu dei passagem para que ela fosse na minha frente
- Vai ficar aqui por muito tempo? - perguntei e ela riu

- Tô com muita mala né? - ela riu - Sou uma mulher prevenida

- Eu percebi - saímos juntos do aeroporto e eu fui a guiando para o caminho certo

- Vou ficar 2 anos pra fazer tipo uma pós graduação - ela falou e eu fiz cara de surpreso

- Uau, vai estudar aonde? - perguntei

- Na Universidade de Nova Iorque - ela falou me deixando mais surpreso ainda

- Vai ser minha colega de faculdade, então? - eu perguntei e ela me olhou

- Você estuda lá? - ela perguntou surpresa - Quanta coincidência

- Demais né - eu falei - Mas eu tô terminando a faculdade de gestão financeira

- Eu sou formada em administração, mas vim, aperfeiçoar meu setor de gestão também - ela disse, toda orgulhosa

- Mas não vai ficar no campus da faculdade? Eles oferecem estadia lá - eu falei e ela concordou como se já soubesse do que eu estava falando

- Vou sim, mas as minhas aulas só começam na próxima semana. Então até lá eu vou ficar em um hotel para ir resolvendo as documentações que eu preciso e esses detalhes - ela disse, já respirando ofegante quando finalmente chegamos no ponto de táxi

- Está entregue - eu falei, deixando as malas ali e já vendo um motorista vir nos ajudar para colocar no carro

- Muito obrigada, .... - ela ficou sem saber o que falar e só naquela hora eu percebi que não tínhamos nos apresentado

- Guilherme - eu disse, esticando a mão pra ela - E você?

- Carol - ela disse sorrindo, me fazendo sorrir também.

Before you go Where stories live. Discover now