Sobre passeios e patos (Parte 1)

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Uma vez, quando eles eram pequenos demais para se importar, Kankuro entrou no quarto descabelado e esbaforido. Isso porque Temari havia ido dormir e esquecido sua boneca favorita no sofá da sala.

Nanami era um daqueles bebês da moda, que tinham o corpo de pano, os membros de vinil e um tufo de cabelos loiros na parte lateral da cabeça.

Não que fosse muito diferente de hoje mas, naquela época, costumavam ser bastante rígidos com a separação entre brinquedos de menino e de menina, e nada parecia estar errado quando Temari amava muito sua filhinha e Gaara e Kankuro se divertiam com suas figuras de ação e kits de armas de plástico que simulavam guerras e violência. Mas a boneca era muito legal.

Ela tinha um vestido de laços bonito, sapatinhos combinando, fechava os olhos quando deitada e uma chupeta de plástico pendurada no pescoço que encaixava direitinho no buraco da boca.

Era noite, e Kankuro fechou a porta atrás de si quando mostrou para Gaara o que tinha em mãos: a boneca de Temari e a caixa de maquiagens da mamãe.

Atrelar gênero a brinquedos era bobagem. Gaara não precisava ter lido nenhuma pesquisa antropológica sobre isso quando seu irmão já havia zerado todos os itens do starter-pack hétero antes mesmo dos barbeiros começarem a oferecer cerveja durante um corte de cabelo.

Kankuro sabia arrotar o alfabeto, já havia feito risquinho na sobrancelha (mais de uma vez) e já havia arrebentado a cara (mais de uma vez) entre partidas de futebol e dar grau de bicicleta no asfalto. E também foi quem acabou maquiando Temari para seus encontros e eventos familiares chiques.

Apesar de ser dona de todas as maquiagens e de todas as bonecas, ela nunca levou jeito. Kankuro sim. Mas era uma habilidade esquisita e específica que não se desenvolvia sem prática, e talvez Kankuro não fosse o melhor maquiador do mundo do alto dos seus sete anos de idade.

Ele jurou que era só passar um sabonete e uma toalha que a boneca ficaria novinha em folha e de volta ao seu lugar de origem antes que percebessem. Gaara acreditou. E nenhum dos dois poderiam imaginar que pó colorido incrustava na borracha daquela forma, e nem que o tufo de cabelos sintético jamais cresceria depois de ter sido cortado no talo. E, talvez, usar um pincel permanente para pintar as unhas não tenha sido a ideia mais inteligente que tiveram na vida...

Temari começou a chorar e o batom caro da mamãe estava quebrado, então os dois foram dormir de orelha quente naquela vez.

No fim das contas, sua irmã acabou ganhando uma bebê mais bonita ainda e não interessava a Kankuro qualquer coisa que não tivesse mais espaço – ou autorização – para pintar, então Gaara ficou com a boneca.

Ele mordeu os sapatinhos em alguma hora, acabou gastando alguma caneta que achou perdida por aí em um dia de tédio, usou os dedinhos de plástico dela para entender o que aconteceria se chegasse perto demais daquela luz azul que saía do fogão e não lembra que fim levou o vestidinho de laços depois que sua mãe esqueceu a tesoura em cima da mesa de jantar.

A primeira vez que seu pai olhou torto em sua direção até podia ter sido por estar brincando com brinquedo de menina, mas a verdade é que Rasa encontrou Gaara no escuro da sala com uma faca largada no tapete. A cabeça de Nanami numa mão e o corpo de panos na outra. Quando perguntou porque, o filho lhe respondeu naturalmente que queria ver o que tinha dentro.

O pior é que Gaara gostava muito de Nanami e sabia que estava tomando de conta bem da herança de Temari, mesmo que por algum motivo que não conseguia dizer, as bonecas dela sempre pareciam muito mais bonitas e bem mais cuidadas que a sua.

A despeito de sua mãe ter passado a guardar todos os utensílios afiados dentro de uma gaveta com tranca na cozinha antes de dormir, ninguém ligava muito para o que Gaara fazia ou deixava de fazer com seus brinquedos, contanto que não mexesse mais com os de Temari. Ele era um menino, não precisava aprender essas coisas.

Um Natal Por Acidente [GaaLee]Where stories live. Discover now