Capítulo 2: Ficar ou fugir?

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Louvores. Oração. Pregação. Oração. Louvores. Mais oração.

Eu até  gostava do culto, mas naquele dia simplesmente não conseguia prestar atenção.

Enquanto meus pais absorviam cada palavra do Pr. Silas Bennet, o pregador de cabelos brancos e voz suave que liderava a igreja há mais de 50 anos, encarei o grande relógio dourado por trás do púlpito. Com a garganta apertada, só desejava que tudo aquilo acabasse logo, para que eu pudesse entrar no meu quarto e chorar. Colocar para fora toda a frustração de ouvir – mais uma vez – que não podia, ou não devia fazer algo.

A vida podia ser cruel para uma garota.

Seis dias antes, eu havia recebido uma carta que esperava por meses. Um envelope grande, pardo e pesado, com um brasão azul e preto, com um leão marinho estampado. Para garantir que a carta não fosse lida por ninguém além dela, todos os dias, durante três meses, acordei mais cedo do que todos na casa para checar a correspondência.

Dia após dia, vasculhei as cartas e voltei para o seu quarto na ponta do pé, e com as mãos vazias.

Mas, naquela manhã de segunda-feira, finalmente estava lá: a carta da SFUA – San Francisco Universty of Arts. Ainda com minhas meias azuis, voltei para o quarto no mais absoluto silêncio, mas com a sensação de que todos da casa podiam ouvir as batidas do meu coração  acelerado.

A escola, seus pais ou a igreja não te preparam para um momento como aquele: os segundos decisivos antes de abrir o envelope que revela o seu destino – aprovado ou reprovado. Por um momento, tive a certeza que aqueles instantes, que separam a incerteza sobre o seu futuro e a definição do seu destino, carregam mais adrenalina que qualquer esporte radical.

Adolescentes e sua capacidade de dramatizar cada detalhe.

- Meu. Deus. Do céu. – dentro do envelope, uma carta dava boas-vindas à Alice Rose Collins na San Francisco University Of Arts. E com uma bolsa integral!

Eu quis gritar, mas não podia. Quis abraçar os meus pais e comemorar, mas era impossível. Então, enterrei  a cabeça no travesseiro e chorei de alegria.

Naquele momento, nem mesmo o desafio de convencer meus pais roubou a sensação que crescia dentro do meu peito: eu podia conquistar tudo o que queria.

Uma mão em meu ombro me fez despertar daquela lembrança. Jacob estava em pé ao meu lado, olhando para mim com os olhos arregalados. Era hora da oração final e todos estavam em pé, menos, é claro, eu.

Me levantei de um salto, e vi o Reverendo Silas dar um sorrisinho de canto de boca com a minha reação. Mesmo sem olhar, podia sentir a irritação dos meus pais com a "falta de respeito". Fechei os olhos e me concentrei  na oração. Eu gostava da voz tranquila e pacífica do Reverendo.

Quando o culto terminou e começou o burburinho das conversas e pessoas saindo da igreja, segui meus pais em direção a porta. No caminho, Martha e Fred pararam para cumprimentar alguns velhos conhecidos e também acenei para eles com educação, enquanto observava como se comportavam o restante das pessoas. Como pareciam todos iguais.... As mulheres com suas roupas rodadas e penteados bem alinhados e os homens com suas bíblias na mão. Até a forma de sorrir, abraçar e cumprimentar parecia a mesma.

- Mais uma vez levando bronca na hora da oração, não é, Srta. Rose?

Atrás de mim, estava o Reverendo Silas, com seu sorriso amigável e cabelos brancos bem escovados. Sorri, escondendo o rosto com as mãos. Desde pequena, o Reverendo era a única pessoa que me chamava de Rose. Ele dizia que era o seu nome preferido, pois era o mesmo que o de sua avó materna.

Próxima parada, Liberdade!Where stories live. Discover now