Capítulo 3: Dois garotos e um assalto.

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Passei o restante do domingo rolando na cama.

Meu coração parecia querer saltar pela boca. E meus pensamentos estavam tão acelerados que tive medo de ficar louca.

Eu fugiria de casa assim que a manhã chegasse. Eu pegaria minha mochila, entraria no ônibus – em que meus pais acreditavam estar se dirigindo para a igreja – e simplesmente pegaria o trem para o norte da Califórnia, rumo a San Francisco.

É, eu devia mesmo estar ficando louca.

Mas, ao mesmo tempo, estava me sentindo tão viva. Como nunca me sentira em anos. Finalmente com a sensação de que estava assumindo as rédeas da minha própria vida e colocando para fora a minha identidade. Minha vontade.

Amar, respeitar e honrar aos pais não significa obedecer cegamente. E sim viver e experimentar todo o meu potencial, abrindo espaço para ser quem eu sou, para que um dia eles finalmente entendessem que não há honra maior do que ser quem você foi criado para ser.

No domingo à noite desci as escadas, enquanto meu pai e minha mãe assistiam a algum programa de TV, e avisei que estaria ajudando no bazar da igreja naquela segunda. Meu pai prontamente concordou. Minha mãe apenas me encarou por baixo dos óculos arredondados. Eu já tinha demonstrado comportamentos estranhos demais naquele simples domingo.

- Você está bem, Alice? – ela perguntou, desconfiada.

- A dor de cabeça está passando, mãe... – Comecei a dizer, antes de ser interrompida por ela.

- Não é sobre isso que gostaria de saber... você está estranha o dia todo, Alice. Você realmente está bem, minha filha? – Sua voz tinha assumido um tom inquisitório.

- Sim, mãe. Estou bem. – Menti, e subi as escadas rapidamente para não abrir espaço para mais nenhuma desconfiança.

Não preciso dizer que não dormi nada bem naquela noite. Meus sonhos foram invadidos por imagens de minha mãe me puxando pelos cabelos no trem e me prendendo em casa para nunca mais soltar, flashs da Golden Gate Bridge brilhando num pôr do sol encantador e o sorriso de um garoto sob um teto de estrelas...

Às 7h30 a.m daquela segunda-feira, enquanto ainda estava na cama, ouvi o carro do meu pai saindo da garagem e os saltos apressados da minha mãe passando pela sala no andar de baixo, antes que a porta de entrada se abrisse e se fechasse com um barulho suave.

Levantei da cama e uma parte do meu cérebro parecia estar funcionando de maneira perfeitamente automática, pois não me lembro muitos detalhes de como consegui me vestir tão depressa. Em cima da beirada da cama, duas roupas de estilos completamente diferentes me esperavam. Vesti primeiramente o short jeans de cintura alta e uma blusa justa, branca, de gola alta. Como não queria que Claire desconfiasse das minhas intenções, joguei por cima um vestido comportado azul marinho, fechado até o pescoço e de mangas compridas. Afinal, precisava manter o meu disfarce.

Tinha chegado a hora.

Quando desci as escadas, Jacob estava sentado à mesa da cozinha, enquanto Claire lhe servia um copo de leite. As lágrimas quase saltaram dos meus olhos quando pensei quanto tempo ficaria sem vê-lo, e como ele se sentiria quando soubesse que eu havia saído de casa.

- Bom dia, Jake. – Falei, depositando um beijo no topo dos cabelos escuros e bagunçados do meu irmão. Ele sorriu, exibindo um perfeito bigode de leite que denunciava o quanto ainda era apenas um menino. Será que ele me odiaria quando descobrisse o que eu fiz?

- Ei, Allie, você não vai acreditar. A mamãe deixou que eu passasse o dia inteirinho brincando na piscina do Dylan, não é demais?

- É, demais... – Engoli em seco. Vendo a empolgação do meu irmão com o início das férias, quase pensei em desistir. Eu estragaria as férias de todo mundo, principalmente as dele.

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