Capítulo 1: A grande pergunta

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O caminho até o culto parecia até um filme repetido: acontecia todas as vezes da mesma maneira. Às 7h30, em ponto, eu acompanhava meus pais, Martha e Fred, e meu irmão mais novo, Jacob, em direção a Range Rover Classic branca da família.

- Está com sua bíblia, Jacob? – Perguntei, enquanto entrávamos no carro. De forma proposital, aumentei o tom de voz para que meus pais ouvissem a pergunta e sorri ao ver o olhar de aprovação da minha mãe com a lembrança.

A verdade é que eu não costumava ser tão comprometida assim e, frequentemente, era eu quem esquecia a bíblia.

Mas aquele dia era estratégico, e eu não podia vacilar. O meu plano estava traçado: agradar meus pais, esperar o término do culto quando eles estariam bem satisfeitos e, durante o almoço tradicional de domingo, fazer a grande pergunta.

Vai funcionar. Tem que funcionar.

Fred deu partida no carro. A Igreja Presbiteriana de Long Beach não ficava muito longe e, em menos de 10 minutos, já teríamos chegado. Naquele dia, o céu estava azul e sem nuvens, e o clima era ameno. Tudo parecia cooperar para o bom humor dos meus pais.

- Alice, minha filha, seu pai e eu estivemos conversando... – começou Martha, com os olhos fixos na estrada.

Meu estômago revirou. Nada de bom costumava vir após a frase "eu e seu pai estivemos conversando".

- Você terminou a escola e precisamos pensar no seu futuro... – Continuou minha mãe. Do banco de trás do carro, fitei seus cabelos escuros meticulosamente penteados num coque perfeito. Martha quase não mexia os lábios enquanto falava e conservava a postura sempre tão ereta que parecia estar em alerta constante. – Você sabia que Constance, sua colega de classe na Presbiterian School, começará a faculdade de Letras na Universidade Feminina Luterana? Achamos uma ideia maravilhosa.

- Maravilhosa para vocês. Vocês só esqueceram um pequeno detalhe: o que eu acho sobre tudo isso? – Antes mesmo de terminar a frase, eu já sabia que tinha feito tudo errado. Em apenas alguns segundos, vi os planos de agradar os meus pais indo por água abaixo.

Martha girou a cabeça para trás lentamente e me encarou com um olhar de reprovação. Pelo retrovisor, vi o meu pai balançar a cabeça, insatisfeito. Jacob apenas continuou calado, com medo de que algo sobrasse para ele no fim.

- Isso é jeito de falar com a sua mãe, Alice? Eu já estou farta das suas respostas prontas e insolentes – brigou Martha. Ela continuava tão séria e ereta quanto antes.

- Olha, mãe, desculpa. – Suspirei – Sei que vocês querem o melhor para mim e eu agradeço muito por isso. Mas na Universidade Feminina Luterana só tem aulas de letras, pedagogia, enfermagem e essas coisas que as pessoas acreditam que as mulheres devem aprender. Não há sequer um curso de direito, ou engenharia, muito menos foto...

- Ora, nenhuma garota quer aprender sobre engenharia! – Exclamou meu pai, irritado. Martha olhou para o marido e concordou com a cabeça, como se aquilo fosse tão óbvio que nem precisasse ser dito.

Eles continuaram falando. Mas eu já tinha fechado os olhos e, respirando profundamente, me desliguei da voz dos meus pais. Meus pensamentos voaram longe, para San Francisco, e por um momento me imaginei vivendo a vida que sempre sonhara.... Aprendendo sobre fotografia com os melhores professores do mundo, com minha Canon F1 nas mãos, fotografando pessoas alegres e paisagens incríveis. Imaginei o barulho do mar enquanto registrava cada onda, os sorrisos abertos dos surfistas e as crianças correndo em direção ao oceano.

O carro parou. Mas eu ainda estava em Long Beach.

Era hora do culto.

Próxima parada, Liberdade!On viuen les histories. Descobreix ara