Capítulo 4 - Kintsugi

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Theodoro estava trabalhando no Hangar 4 novamente alguns dias após seu acidente. Lucca tentava dizer para ele quais eram os serviços do plantão, mas ele não estava tão interessado assim. Naquele dia em particular ele estava um pouco mais disperso do que o de costume.

Os últimos dias tinham sido um vai e vem para vários lugares prestando os mais variados serviços que a senhorita Castro o tinha pedido. Ele tentava não ficar incomodado com aquilo, mas admitia que as ordens de serviço para ele tinham se intensificado desde o seu acidente. "Será que eles conheciam o conceito de estresse pós-traumático?", se perguntou eventualmente, mas sem saber dizer para si mesmo se era o caso. Provavelmente não. Apenas um pouco de cansaço pelo excesso de trabalho.

Era estranho pensar que eles conseguiam ainda ficar cansados mesmo não utilizando seus verdadeiros corpos para realizar o trabalho. Os gêmeos uma vez lhe explicaram que aquilo se devia a forma como funcionava a interação da rede neural.

- Para os nossos cérebros não existe diferença - começou a explicar Kassandra, - é como se não houvesse diferença entre quem somos em carne e osso e o metal e o silicone. A mente reconhece ambos de forma igual. Mesmo que os avatares consigam fazer atividades com menos esforço e com maior resistência, os cérebros na Colmeia entendem que aquilo é um trabalho e que gera um cansaço mental.

- Me parece mais um erro de projeto! - ele comentou com sarcasmo.

Kassandra geralmente não se incomodava com as opiniões de Theo. Na verdade, ela até mesmo respeitava sua forma mais sincera de falar sobre as coisas, algo que muitos não tinham o hábito de fazer.

- Dentro da Gaia é um pouco diferente. Os mods ajudam a driblar um pouco estes elementos, mas até hoje ninguém conseguiu ultrapassar certo limite – completou Yannis. - Acredite! Eu já tentei, pappóus!

Ele estava mexendo nas entranhas de um dos drones que estava um pouco desgastado com todo o trabalho que a estação vinha fazendo recentemente. Apesar de ser classificada, principalmente, como uma estação de pesquisa Etna tinha um esquema de trabalho bastante ativo. A mineração tinha diversos propósitos, entre eles análises de elementos químicos dos satélites de Saturnos, mas também exploração de minerais para serem eventualmente enviados de volta para Terra. Isso era o que mantinha as atividades dela continuando. Para Theo era apenas qualquer serviço como os quais ele já tinha trabalhado antes.

Os drones eram um prazer singular para ele trabalhar há muito tempo. Lembrava a ele um pouco os tempos em que trabalhara como mecânico e fazia a manutenção de caminhões para uma fábrica de tecidos. O que ele mais lembrava daquela época era como suas mãos viviam sujas de graxa. Agora isso não era mais um problema.

Davi Lucca saiu para ver alguma outra coisa em determinado momento quando ele pode parar um pouco para descansar a cabeça. Seus pensamentos estavam mais agitados naqueles últimos dias e isso estava trazendo problemas para ele.

Quando terminou seu trabalho Theo não tinha muito ideia do que fazer em seguida e apenas saiu caminhando pela estação como se fosse fazer um passeio. Seu maior prazer era observar os anéis de Saturno pelas janelas da estação, mas naquele dia em específico isso não estava tão interessante assim para ele. Caminhou por um tempo e se viu indo em direção a um dos salões onde os tripulantes frequentavam quando não estavam em alguma atividade.

Apesar de terem todo o espaço possível de Gaia para fazerem o que quiserem era muito comum que as pessoas em Etna passassem seu tempo também vivendo na própria estação através de seus avatares. Era como se aquilo fosse de alguma forma mais real para eles do que o mundo pixelizado do M² e eles desfrutavam de um tempo juntos ali. Talvez os engenheiros tivessem pensado nisso com antecedência e por isso você tinha muito o que fazer dentro da estação. Era quase como uma cidade ali. Não havia lojas ou qualquer coisa do tipo para que eles pudessem "viver" suas vidas, isso ficava para o outro mundo. Mas todos passavam muito tempo ali. Grandes salões abrigavam lugares para você se sentar e conversar uns com os outros e até mesmo praticarem algum tipo de atividade. E, claro, a ideia de terem corpos mecânicos super fortes incentivava algumas coisas também. Não era incomum você ver de vez em quando alguém testando a resistência de um chassi em uma queda de braço amistosa, contanto que desse conta de bancar os prejuízos depois.

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