Capítulo 1 - Mais Um Dia de Trabalho

24 1 0
                                    

A mensagem chega até ele enquanto está olhando pela janela. "Venha para o Hangar 4, imediatamente! - D. Lucca"

Theodoro olha para fora pensando em como se habituou aquele lugar, com o silêncio ao seu redor sem nada para descontrair. Era o total oposto de sua casa até onde conseguia se lembrar. Lá havia o barulho dos carros, das folhas farfalhando com o vento, animais, pessoas e o que mais pudesse existir. Ele lembrava da correria do dia a dia, do trânsito insistente a recordar que o mundo era rápido demais e ele corria junto com ele. Ali era tudo diferente. As coisas apesar de terem um ritmo frenético na estação de alguma forma para ele pareciam sempre passar em câmera lenta. A qualquer momento ele podia parar o que estivesse fazendo e apenas olhar para o lado e lá haveria uma janela mostrando um universo de estrelas diante de seus olhos e isso o levaria para o mais longe possível e de alguma forma ele estava sempre ali, contemplando o mais absoluto silêncio.

A mensagem piscou de novo em seu display indicando a urgência do emissor. Para ele isso não fazia muita diferença. Imaginava qual seria o trabalho dessa vez. O Hangar 4 era facilmente o mais trabalhoso de todos os hangares na estação. Estava sempre em manutenção devido a sua alta necessidade de uso. Dali direcionavam a maioria dos drones mineradores e coletores e ainda era feita a atracagem de materiais maiores. Isso levava eventualmente a alguns problemas de logística, consertos e reparos, exatamente o serviço para o qual ele havia se alistado. A vida antes da estação Etna não havia sido das mais memoráveis para ele, mesmo tendo tido um pouco de algo aqui e ali ele não dava muita importância para o passado. Preferia focar no presente e no que tinha para se fazer. Os outros perguntavam sempre como ele conseguia estar tão bem-disposto trabalhando por tantas horas e ele apenas respondia que se sentia bem quando estava fazendo algum reparo, quase como se estivesse em transe. Um terceiro bipe do display, o velho Lucca estava mesmo ansioso para vê-lo. Teve que deixar a vista daquela janela para uma outra hora, mas sabia que voltaria em breve para poder apreciar mais um pouco aqueles belos anéis de Saturno.

O caminho até o Hangar demorava um pouco e ele andou com calma enquanto estrava ligando para seu encarregado. - Já estou indo - começou ele, - do que você precisa agora?

- Tão educado quanto um parafuso espanado! - respondeu Lucca. - Venha logo para cá! Estou precisando de ajuda com uma das vigas que sustentam o portão.

- Esse trabalho de novo? Não tem uma semana que eu mexi naquela viga, o que foi que vocês fizeram de errado?!

O comunicador fica em silêncio um momento enquanto ele espera a resposta. Ele não admitia para ninguém, mas o deixava ligeiramente irritado.

- Apenas venha para cá de uma vez!

Lucca era sempre meio estressado com o trabalho. Para Theo ele não tinha aquela flexibilidade para pensar algo além do que ele tinha a obrigação de pensar. Talvez por isso ele tenha se candidatado para o cargo de encarregado, ou escolheram esse serviço para ele. Theodoro não sabia ao certo qual era a opção correta. No caso dele não havia tido muito mistério. Sua formação como técnico eletrônico e soldador era o máximo que ele tinha conseguido chegar na Terra e para sua surpresa tinha sido o que estavam pedindo na descrição da vaga para o trabalho na estação. Lucca talvez tenha feito o mesmo que ele, mas conseguiu um emprego um pouco mais responsável, se é que pode se dizer isso. Os encarregados eram os chatos na opinião de Theo e ele não fazia muita questão de esconder isso de ninguém, se o perguntassem. Contudo, ele e Lucca mantinham uma boa relação apesar de tudo. Os dois eram tão diferentes quanto vodca e suco de frutas, mas se misturar faziam um bom drink. E era mais ou menos assim que ele via a relação dos dois. Não podiam ser mais diferentes do que aquilo, mas no final tudo funcionava bem.

Caminhando pelo corredor ele cruzava com os demais tripulantes. Alguns ele cumprimentava com um aceno, enquanto outros ele dizia algumas poucas palavras. Não estava realmente com muita pressa de chegar no hangar, pois sabia que demoraria muitas horas de qualquer jeito para terminar o serviço e não adiantaria correria. Então ele ia no seu tempo, pensando no que poderia ter estragado seu precioso trabalho em tão pouco tempo e ele já calculava as possíveis alternativas sem mesmo ter tido nenhuma informação adiantada. A cabeça dele era assim, pensava em milhares de coisas ao mesmo tempo e nenhuma delas no final estava realmente presa ao chão. Flutuavam em sua mente sem gravidade e ele as ia coletando de vez em quando e montando assim os complicados quebra-cabeças que só ele conseguia entender. Sua mente parecia um turbilhão nestes momentos e mesmo assim era quando ele se sentia melhor e mais tranquilo, igual como quando ficava olhando pelas janelas o universo lá fora.

Projeto EnceladusWo Geschichten leben. Entdecke jetzt