Capítulo III

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Era 15 de outubro, 1777.

Deitado na grama que sempre me acolhia, eu sentia o sol acariciar meu rosto de forma serena. Minhas mãos passeavam calmamente pelo verde macio daquele mato; minha pele sentia todo o frescor que aquela manhã exalava e eu, de olhos fechados, ouvia a forma calma da água correndo abaixo de mim. Um sorriso leve enfeitava meu rosto.

Eu já havia completado meus dezessete anos de idade àquela altura. Cada vez mais a maioridade estava ficando mais perto para mim e eu sentia, bem no fundo de mim, como se um sopro de liberdade estivesse cada vez mais próximo de me contemplar...
E eu precisava daquele sopro de liberdade.
Ao longo daqueles dois anos, desde a chegada de Manuel em minha vida, meu mundo acabou virando completamente de cabeça para baixo. Coisas dentro de mim começaram a mudar, pensamentos díspares começaram a me dominar, sentimentos novos foram criados, e eu pude começar a entender várias coisas sobre mim mesmo que sequer pude imaginar um dia entender:

Eu, Joaquim de Souza, era um homem invertido.

Finalmente eu conseguia entender aquele sentimento recorrente que me acometia todas as vezes que eu me olhava através do espelho. Finalmente a desconfiança em me achar diferente dos outros meninos se tornou uma certeza e, finalmente, depois de várias noites mal dormidas e de várias crises, eu consegui contemplar a firmeza daquele sentimento sólido que me tomava conta sempre que via Manuel em minha frente: paixão.

Eu amava Manuel Martim. O amava com todas as minhas forças desde a primeira vez que o vi; e admitir isso para mim mesmo me fez sentir leve como uma pena. Eu adorava aquela sensação.

Ainda deitado, apreciando o cheiro fresco da mata que me cercava, pude sentir uma leve brisa passear pelo meu rosto de modo que me fez sentir ainda mais brando. Abri meus olhos e, olhando acima de mim, enxerguei duas borboletas que brincavam no ar. Eram duas pequenas borboletas azuis. Elas estavam cantando lindamente, batendo suas asas de forma graciosa contra a luz do sol. Dançavam, brincavam, voavam... e dentre as diversas acrobacias que faziam junto ao vento, de repente, decidiram ir embora. Voaram para longe, e eu apenas as observei partir.

Liberdade... — Eu ainda estava aprendendo o significado daquela palavra, mas já apreciava toda a sua magnitude.

Se por um lado eu me sentia completamente feliz por, finalmente, descobrir quem eu era, por outro lado, porém, toda aquela jornada de descobrimento foi feita no completo silêncio do meu interior. Aquela era uma notícia íntima demais para eu compartilhar com alguém; perigosa demais para ser exposta a todas as outras pessoas assim.

Eu finalmente me conhecia, e estava contente por isso, mas guardaria aquela clareza para mim mesmo. Pelo menos até eu estar seguro o suficiente para dividir aquela felicidade com mais alguém, somente eu saberia quem eu era de verdade.

O sol, meu amigo confidente, também parecia estar alegre por mim. Sua alegria me atingia na forma acolhedora de calor, e toda vez que ele brilhava forte, eu sabia que era para mim.

Naquele instante, por exemplo, seu calor me acertava de forma intensa, forte o suficiente para me fazer lembrar do lindo riacho que me esperava. Certeza que as águas claras daquele lugar reluziam de forma altiva com a luz. De olhos fechados novamente, me permiti ouvir o som bucólico daquele ambiente mais uma vez. Sorri.

Estava prestes a me levantar quando senti um peso forte o suficiente para me paralisar sentar sobre meu peito. Uma respiração rápida e quente atingiu o meu rosto, meus braços foram presos por uma grande e forte mão, e risadas pequenas e compassadas preencheram o espaço entre aquelas árvores. Meu coração bateu forte.

— Você está preso. — Disse Manuel. — Agora você é meu!

Assustado, abri rapidamente meus olhos quando ouvi o grave som de sua voz. Seus olhos exalavam diversão, sua boca esbanjava um lindo sorriso e seu corpo brilhava em contato com o dia. Um homem perfeito demais para ser verdade.

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⏰ Last updated: Aug 17, 2023 ⏰

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