Capítulo II

48 8 12
                                    

Nossa sala de jantar estava repleta de empregados.

Pratos viajavam de mão em mão até chegar à imensa mesa que expunha um lindo banquete; o barulho da prataria sendo polida era constante, e algumas cadeiras eram arrastadas pela sala de modo que mais pessoas pudessem se aconchegar junto a nós. Certamente receberíamos mais convidados do que o combinado.

A casa estava uma loucura, mas no meio de todo aquele movimento, uma voz se sobressaía sobre todas as outras. Uma voz poderosa, que impunha respeito e que mandava e desmandava em tudo e em todos ali: lá estava a minha mãe.

O que era para ser apenas um pequeno e singelo jantar, acabou evoluindo para algo ainda maior. Dona Olinda estava elétrica, expansiva e ansiosa, e era raro vê-la assim.

— Meninos, já para o banho! — Mandou ela assim que enxergou a mim e meu irmão no meio de toda aquela gente. — Por céus! Tem como vocês serem mais irresponsáveis? Já está quase na hora!

— Desculpe, mãe. — José se adiantou, já seguindo para seu quarto e ignorando os ralhos da mulher. — Acabei perdendo a noção do tempo... fui atrás de Joaquim e voltei para casa o mais rápido que eu pude. Com sua licença...

José era profissional em fugir das broncas de nossos pais. Não me assustei quando, como em um passe de mágica, ele sumiu da mesma forma que apareceu, me deixando sozinho para enfrentar nossa mãe, que já não estava mais em seu melhor humor.

— Vocês só podem estar querendo me deixar louca, isso sim. — E ao olhar um pouco melhor para mim, parado no meio da sala e com minhas roupas sujas, ela suspirou: — Você não consegue fazer uma coisa certa, consegue, Joaquim?

— Eu...

— Vai tomar banho. Agora. Não me faça repetir.

•───────•°•❀•°•───────•

A noite estava um pouco mais fresca do que o dia havia sido, por isso senti um alívio e um grande prazer ao entrar em contato com a água.

Já de banho tomado, fiquei sentado na beira de minha cama. Estava encarando o meu reflexo no espelho enquanto criava coragem para descer; mas o olhar perdido do menino de vestes formais me prendia ali.

Como eu odeio festas... — Suspirei.

Eventos sociais sempre foram um grande problema para mim. Não que eu não gostasse de falar com as pessoas, de interagir com elas... para ser sincero, eram elas que não gostavam de mim.

Sempre me senti diferente dos outros garotos, e parecia que todas as pessoas da vila sabiam disso. Olhares como o de Jonas sempre me acompanhavam quando eu saía de nossa propriedade e esse era um peso que eu não gostava de carregar.

Olhares, cochichos, risadinhas discretas... Era sempre assim. Por que? Eu não sabia bem. E achava que preferia continuar não sabendo.

Batidas na porta tiraram minha atenção de meus próprios pensamentos, e eu já sabia quem era. Só uma pessoa se importava o suficiente com minha privacidade para bater antes de entrar:

— Sebastiana... — Observei-a adentrar meu quarto. Seu olhar era acolhedor. — Eu não quero descer... não agora...

— Meu filho... — Sua voz era forte, mas doce e afável ao mesmo tempo. Eu gostava muito dela. — Eu sei. Mas você precisa. Sabe como é a Senhora Olinda... sabe também que a fúria de seu pai é intensa demais para ser despertada, não sabe?

Entre Campos e AlgodõesWhere stories live. Discover now