Capítulo I

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Era 27 de Setembro, 1775.

O dia havia amanhecido fresco naquela manhã. Assim que abri meus olhos ao acordar, ainda em minha cama, pude perceber a linda paisagem primaveril que me esperava do lado de fora. Minha janela dava vista ao nosso jardim, que parecia mais vívido. As flores típicas de nossa região estavam mais presentes e vibrantes em nossos arbustos; os pássaros, sempre enérgicos, cantarolavam alegremente em torno das imensas árvores que se estendiam em minha frente e nem mesmo o sol, com todo seu esplendor, conseguia apaziguar o clima ameno daquele dia. Sem dúvidas, aquele era um ambiente bucólico, um espaço calmo demais que contrastava com a inquietude de minha mente. Dentro de mim, meu coração batia forte.

Era meu aniversário. Naquele dia brando de primavera eu completava meus quinze anos e, como sempre, eu me sentia exausto. Ela veio me visitar em sonho mais uma vez.

Lembranças de uma noite conturbada logo me invadiram, e a imagem da mulher de todos os anos logo se formou em minha consciência. “Feliz aniversário, meu raio de sol.” Era o que ela sempre dizia.

Sua voz era doce; seu toque, sempre gentil em meu rosto, era caloroso; e seus olhos eram tão reluzentes quanto os meus, apesar de mais tristes e carregados. Eu não tinha medo dela, era até reconfortante a sua companhia, mas eu nunca conseguia dormir depois que ela ia embora. Por que sempre nesta data? Quem era aquela mulher?

Sentado aos pés de minha cama, eu encarava o céu azul, que me olhava de volta. Suspirei. Pela posição solar, certamente já passava das 08:00 da manhã, e eu estava atrasado para o meu desjejum.

Que chato, preciso me apressar.

Levantei, e com passos ritmados e levemente rápidos, me dirigi ao encontro de minha mãe, que muito possivelmente estava esperando-me à mesa junto com meu pai e meu irmão. Os corredores daquele lugar pareciam não ter fim, e eu sabia que a dona Olinda, àquela altura, estava completamente impaciente. 

A casa em que morávamos era consideravelmente grande. Meu pai não era nada modesto quando se tratava de seus próprios bens e fazia questão de esbanjar todo o poder aquisitivo que possuía. Eu, particularmente, nunca gostei de todo aquele exagero, pois todo aquele espaço em pouco nos ajudava. 

Enfim não demorou muito para eu descer as escadas da sala, segui para a mesa onde realizamos nossas refeições e, assim como imaginei, minha mãe possuía uma expressiva face de desgosto enquanto tamborilava seus dedos na madeira. Porém, ao contrário do que previ, meu pai e meu irmão não se encontravam junto a nós.

— Não é porque hoje é seu aniversário e que você ficou livre de suas tarefas domésticas, que pode se dar ao luxo de acordar nesse horário, Joaquim. Está atrasado. — Seu olhar era duro, como de costume; mas sua voz aveludada sempre conseguia disfarçar todo seu desgosto. — Deus te abençoe. Feliz aniversário.

— Muito obrigado, mamãe. — Acenei, juntando-me a ela. — Onde estão papai e José? Achei que eu fosse o último a levantar da cama hoje.

— Mas você foi, não se engane. — Impassível, ela parecia ignorar toda a comida fresca que estava diante de nós. — José e seu pai foram cumprimentar a nova família que chegou ontem na propriedade ao lado. Você deveria os acompanhar, mas sabemos que acabou dormindo mais do que deveria.

— Sim, e peço desculpas por isso.

— Tudo bem. Depois você se acerta com seu pai. — Seu dedo continuava a bater insistentemente na mesa, em um sinal de plena impaciência. Mamãe Olinda sabia esconder bem suas emoções, mas para mim, estava claro que naquele instante ela estava com tanta fome quanto eu. — Será bom ter vizinhos novos por aqui, afinal... já estava ficando cansada de ter que percorrer longas distâncias até a vila para poder conversar com boas pessoas. É prejudicial ficar cercada apenas por escravos o tempo todo.

Entre Campos e AlgodõesOnde histórias criam vida. Descubra agora