Capítulo 01

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Fazer um intercâmbio definitivamente não estava nos meus planos. Ao contrário de Lana, qualquer coisa que envolva me arriscar por aí não é exatamente uma prioridade. Eu nunca viajei pra fora do país, muito menos sozinho, e a ideia de trabalhar em um lugar que não fala a minha língua me dá arrepios.

Mas então Lana conseguiu me convencer com uma única frase.

— E se eu fosse junto?

Olho pra ela como um cachorro abandonado que acabou de encontrar um novo lar.

— Sério? Você faria isso?

Ela revira os olhos.

— Se for pra Itália, sim. Essa é a minha condição. Com um gelato na mão, não seria um sacrifício tão grande ter que te aturar.

Sorrio, imaginando como isso poderia realmente funcionar. Desde que tranquei o curso na faculdade, meus pais têm me pressionado a conseguir um emprego "de verdade", já que o que ganho com fotografia não é suficiente para ser considerado de fato um trabalho, pelo menos não pra eles.

Foi meu pai quem sugeriu o intercâmbio, apesar de não ter sido a primeira vez. Em todo almoço de família, ele fala sobre o semestre em que Lana passou estudando na Itália dois anos atrás, dizendo que logo seria eu. Nunca concordei com isso, não porque não achasse a oportunidade incrível, mas porque o medo sempre falou mais alto.

Por outro lado, seria ótimo passar um tempo longe de tudo. Eu ainda não superei meu término com o Erick, e se não fosse uma irmã sensata pra me segurar, eu já teria voltado pra ele rastejando. Humilhante, sim, mas é verdade.

Ele me mandou várias mensagens e me segurei pra não responder nenhuma delas, mesmo com meu coração amolecendo feito marshmallow cada vez que lia o nome dele nas notificações do celular. Depois que a raiva passou e tudo o que restou foram mágoas e dúvidas, passei a me questionar se ter terminado foi a decisão certa, até me lembrar que ele ainda namora a mesma garota. Então, sim. Definitivamente a decisão certa.

Talvez atravessar o oceano atlântico para fugir de todos os meus problemas e não ter que lidar com meus sentimentos pelo Erick também fosse a decisão certa. Eu poderia começar um novo capítulo da minha vida, quem sabe até descobrir novas paixões, e, de quebra, meus pais iriam parar de me pressionar por um bom tempo.

Além disso, com minha irmã junto comigo, as coisas não seriam tão aterrorizantes. Lana queria muito voltar pra Itália para rever seus amigos e eu já tinha encontrado algumas oportunidades legais envolvendo fotografia por lá.  Seria unir o útil ao agradável. O plano era perfeito.

— Itália, então. Vou me inscrever para o programa. — Me viro para o notebook, abrindo os links que salvei nos favoritos ao longo da semana.

Ela abre a boca, incrédula, disparando um gritinho e me abraçando pelo pescoço.

— Não acredito que você vai mesmo topar! Julian, isso vai ser incrível, eu tô tão animada! Preciso organizar as férias do meu trabalho. Quando vamos?

— Bom, aqui diz inicio imediato. Mês que vem funciona pra você?

Lana arregala os olhos.

— Já? A gente vai pra Itália em plena primavera? — ela diz se levantando do sofá em pulinhos. — Preciso tirar meus vestidos do armário! E procurar as passagens aéreas! Qual a duração do programa? Onde você vai trabalhar? O que eles querem que você faça?

— Lana, respira. Nem sei se vão me aceitar ainda. E não é exatamente um trabalho. Quer dizer, é. Mas não vou ganhar por isso — explico, observando a ansiedade se formar no rosto dela. — É um projeto social. Uma escola de música para crianças. Eles querem alguém pra fotografar tudo, captar a essência do trabalho deles, e, em troca, vão me dar um lugar pra morar e alguns euros pra me virar durante um mês.

— Trabalho voluntário, então? Julian, você vai aprender tanta coisa maravilhosa! Vou avisar a Emilly que vamos pra lá nas próximas semanas.

— Lana, eu ainda não sei se... — tento dizer em vão, mas ela já me deu as costas.

Meu pai surge na porta da cozinha com uma xícara de café na mão e um sorriso no rosto.

— Estou feliz pela sua decisão, filho. Esse intercâmbio pode mudar a sua vida.

Abano o ar com indiferença.

— É só um mês. Não é como se minha vida fosse virar de cabeça pra baixo.

— Vai te fazer bem. Novos ares. Novas pessoas — ele responde, bebendo um gole do café. — É o melhor remédio para um coração partido. Você vai me agradecer depois.

— Como você... — começo a dizer, enquanto ele sai pelo corredor. Aparentemente todo mundo nessa casa adora me deixar falando sozinho.

Encaro o formulário de inscrição. Um mês em Roma com a Lana, longe de tudo. Trinta dias. Trinta chances para eu ser quem eu quiser.

Sinto um frio na barriga com a voz do meu pai ecoando na minha cabeça. "Esse intercâmbio pode mudar a sua vida".

Preencho meus dados e clico em enviar.

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A resposta veio uma semana depois. Lana comprou as passagens no mesmo dia, o que não me deu nem mesmo margem para desistir. Foi tudo muito rápido e, quando me dei conta, estava embarcando em um avião com a minha irmã rumo à Itália.

Pra minha surpresa, a escola de música Anima e Suono ficou bastante empolgada com a minha inscrição. Eu tinha enviado para eles alguns dos meus trabalhos recentes que envolviam desde retratos até fotografia de rua e eles praticamente imploraram para eu começar o quanto antes. Como fotógrafo amador, admito que isso fez carinho na minha autoestima, que não é lá das melhores.

Assim que embarcamos e nos acomodamos em nossos assentos, Lana começa a encarar alguns passageiros que passam pelo corredor do avião, como se analisasse alguma coisa.

— Não dou nem vinte e quatro horas pra você esquecer o Erick com esses italianos em volta. — Ela enfia um wafer na boca, apontando para os arredores.

Balanço a cabeça.

— Seria ótimo, mas eu não pretendo me apaixonar por um bom tempo — digo com um sorriso irônico, roubando um wafer da sua mão.

— Ninguém falou em se apaixonar, Julian. É só dar uns beijinhos, quem sabe ir pra cama e, no outro dia, um abraço e um "foi muito bom te conhecer".

Encaro ela afivelando o cinto.

— Você sabe que eu me apaixono por 100% dos caras que eu beijo, né?

— Esse é o seu problema. Você precisa urgentemente aprender a ser mais biscate.

— Claro. E é você quem vai me ensinar? — digo rindo. Ela me dá um soquinho no braço enquanto eu posiciono minha máscara para dormir na testa.

— Falando sério. Você precisa se manter aberto para as possibilidades. E se você se apaixonasse, que mal teria nisso? Pelo menos você ia esquecer aquele embuste.

Abaixo minha máscara até os olhos e apoio a cabeça no encosto.

— E correr o risco de me apaixonar por alguém ainda pior? Não, obrigado. Boa noite, maninha. Nos vemos na Itália.

Escuto seu suspiro seguido por um "insuportável" baixinho. Solto um riso silencioso. Provocar a Lana está no meu top 3 atividades de entretenimento, e tenho certeza que a recíproca é verdadeira.

De olhos fechados, sinto o avião decolar para o que será, possivelmente, a maior aventura da minha vida. O nervosismo chega com tudo. Agora não tem mais volta.

Livro da MikaOnde histórias criam vida. Descubra agora