Capítulo 2

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MIGUEL:

Desço do ônibus e ergo os olhos da parada para o prédio atrás da mesma. Infelizmente hoje é dia...

Engulo em seco e arrumo a mochila nas minhas costas e começo a andar até o prédio.

"Clínica Terapêutica Luz" é o nome gigante estampado em letras douradas na fachada.

Assim que entro a secretária sorri para mim e me pede para esperar na sala ao lado, que vai avisar a doutora da minha chegada. Aceno com um sorriso e vou até a sala a onde tem apenas mais um rapaz lendo uma revista.

Me sento um pouco afastado dele e coloca minha bolsa na cadeira vazia ao meu lado.

— Droga... — Resmungo olhando para o celular, minha internet acabou. Olho de canto de olho para o rapaz, será que eu devo pegar uma revista também? Só para matar o tempo?

Mas eu nem estou muito a fim de ler!

— Miguel? — A porta do consultório é aberta e vejo o sorriso da Doutora Silvia. — Pode entrar.

Sorrio de volta, pego minha mochila e entro na sala sendo seguido por ela e pelo barulho da porta fechando. É sempre uma sensação estranha e... Diferente quanto entro aqui. Um lugar que deveria ser o mais seguro e transparecer conforto para os pacientes... Tem exatamente o efeito contrário em mim. Quer dizer, sei que a Doutora se esforça e tal, mas simplesmente não dá.

Isso não funciona para mim.

— Boa tarde Miguel, está tudo bem com você? — Pergunta se sentando na poltrona perto da janela. Coloco minha mochila encima da mesinha e me sento no pequeno sofá que tem um pouco mais afastado. — Época de provas não é, deve estar uma loucura na escola.

— É sim, as coisas estão corridas. — Suspiro olhando para os quadros espalhados pela parede. A doutora tem um gosto estranho e percebo que ela comprou mais um quadro de peixe. Por quê?

— Imagino. Você não me respondeu a pergunta, está tudo bem com você? — O som da sua caneta batendo no caderno me faz encará-la. A Doutora me olha profundamente, como se quisesse ler minha mente.

É o trabalho dela afinal. Me recosto no sofá e abaixo o olhar para os meus pés, sei que ela está observando e anotando todo o que faço, mas não é nem isso o que me deixa realmente desconfortável aqui.

— Eu estou bem, eu acho. — Minto.

— Acha?

— É...

— Por que você acha que está bem? — Aperto meu dedo mindinho e desvio o olhar dos meus pés para a mesa dela. Quanto tempo falta para acabar isso?

— Eu acho que estou bem, quer dizer, tem horas que parece que eu estou bem e... — Me calo. Sinto o olhar dela sobre mim esperando que eu termine de falar, mas permaneço calado.

— E tem horas que você simplesmente se sente horrível, certo? — Completa por mim. Não anuo nem nego, apenas permaneço calado olhando para os objetos da sua mesa. — Miguel... Você por um acaso teve algum avanço? Alguma evolução desde a nossa última seção?

Eu quero falar para ela que não. Que não tive evolução nenhuma e que sinceramente não tenho vontade de ter uma evolução. Eu não sinto vontade de absolutamente nada, seja melhorar ou me forçar para não afundar mais. De verdade? Só quero ir embora, só quero ficar quieto no meu canto.

— O que está sentindo agora Miguel?

Sendo sincero Doutora? Eu não sei!

É tudo de ruim ao mesmo tempo que não é nada. Uma sensação de desespero, agonia, quase torturante que me cerca da hora que levanto até o momento em que vou dormir. Como se milhões de facas ficassem me perfurando, me apertando. Se fosse usar uma só palavra para me descrever, eu acho que a mais próxima seria: Destruído.

Sim, isso resume bem. Mas tudo o que digo ao enfim levantar os olhos para ela é:

— Não sei.

Quero dizer que vir aqui apenas piora, traz a tona o pior, o que eu quero que fique bem escondido. Não quero fuçar em coisas que apenas me deixam mal, mas também não falo isso.

Ela me olha com pesar, ou seria compreensão? Não consigo identificar, apenas sei que dessa vez ela demorou até demais para desviar o olhar para o caderno.

[...]

— Miguel... — Minha mãe sorri para mim quando me vê entrando em casa. — Como foi a

aula hoje querido?

— Foi legal. — Vou até a cozinha e abraço de lado enquanto pego um dos pedaços do tomate que ela corta. — Meu pai já chegou?

— Ainda não. — Ela lava as mãos e às secas no pano de prato indo até o fogão. — E a consulta hoje? Como foi?

Seu tom de voz é estranho, quase melancólico. Ela se vira para mim com um olhar meio triste, mas antes que possa falar alguma coisa, o som da buzina invade a casa toda.

— Ah, seu pai chegou. Vou abrir o portão para ele.

Ela sai da cozinha e na mesma hora seu celular vibra encima da bancada. Me viro para pegar mais um pedaço de tomate e olho a tela do celular, minha mãe nunca aprendeu a pôr senha, ela se irrita só de imaginar.

— Doutora Silvia? — Estreito os olhos para a ela. O que minha terapeuta mandou para minha mãe?

"Claro Maria, podemos conversas às 14:00 amanhã então, vou reservar o horário para você

e assim como eu tinha lhe falado da última vez, acho que agora é realmente a hora de

aprofundarmos o tratamento do Miguel, o atual não está fazendo o efeito que deveria e eu

penso que ele está piorando. Eu sinto que ele mantêm uma máscara entende? Que ele está

se esforçando para parecer feliz e não ser feliz. Amanhã nós conversaremos mais

profundamente e direito sobre isso. Vou repassar para você os remédios que eu já tinha

mencionado, amanhã eu lhe entrego a receita autorizada, mas vou passar os nomes para

você poder dar uma pesquisa e se familiarizar, não se preocupe, vai dar tudo certo!"

Merda!

~*§*~

JULIA:

— Sério? — Olho embasbacada para Patricia enquanto ofereço um pouco do meu salgadinho para ela. Ainda bem que ela realmente pega apenas um pouco. — Como assim você não gostou?

— Amiga, não é que eu não tenha gostado. — Ri. — Só não achei incrível como você disse. Sei lá, acho que não superou minhas expectativas.

— Mas a Wanda fez tudo que...

Eu nem tenho tempo de falar alguma coisa, já que um HIPOPÓTAMO resolveu me atropelar. Puta que o pariu!

Eu sou arremessada no chão igual um saco de bosta. Pisco várias vezes tentando ver e entender o que está acontecendo, mas tudo o que eu vejo é o idiota do Miguel na minha frente, tão perdido quanto eu.

— Amiga você está bem? — Patrícia me olha querendo rir, ah essa vaca.

— Foi você quem me atropelou? — Pergunto encarando o Miguel, que se levanta e estende a mão pra mim. — Olha por onde anda o seu feioso! — Sorrio sabendo que ele vai levar na brincadeira. Ele me ajuda a levantar e pega uma cartolina do cão.

— Desculpa ai oh fedorenta. — Sorri e então sai correndo com a cartolina na mão, parecendo um doido.

— Deve ser hoje o dia da turma dele apresentar aquele seminário. — Patrícia fala do meu lado. — Olha, seu salgadinho nem caiu, maravilha. — Nem percebo quando ela toma o salgadinho da minha mão, meu olhar continua no corredor por onde ele corre desenfreado. — Amiga?

— Você viu o olha dele? — Pergunto baixinho observando ele entrar na sala de aula.

— Quê?

— O olhar dele, estava estranho.

— Não percebi não. Ele tava sorrindo.

— Não amiga, o olhar dele parecia meio... Triste...

Só Mais Uma História De AmorWhere stories live. Discover now