“Com certeza não são importantes”, Niall deu de ombros.

“Mas então por que não venderam o prédio?”

“Quem em sã consciência iria comprar um prédio no meio do nada?”, Niall se deliciou com a zombaria, “ Vai ver até tentaram… Mas, pensa bem, Harry, se um maluco tivesse matado dezenas de pessoas, teríamos encontrado alguma evidência. Já procurei sobre esse caso na internet e, adivinha, não achei nada. Se isso realmente aconteceu, haveria pelo menos uma reportagem num jornal da época”.

Harry imediatamente problematizou: “Que jornal se importaria com um bando de camponeses assassinados?”

“As pessoas adoram uma tragédia. E essa teria sido uma das grandes”

“Mas teve o azar de acontecer num lugar no fim do mundo”

O debate se estendeu por um longo tempo para, no fim, não adiantar nada. Ambos persistiram firmes em suas crenças.

Harry descobriu a história no pátio da escola, mas se aprofundou em detalhes através da avó. 

Hamilton, o assassino, sequer tinha chegado aos trintas quando decidiu cometer a barbárie. Ocorreu no século XIX, período em que o porte de armas ainda era legal na Inglaterra. Ele gostava de caçar - o que, para Harry, já era um traço de personalidade perverso - então tinha um rifle em casa. 

Após descobrir que a esposa estava indo embora para viver com outro homem, Hamilton perdeu a cabeça e decidiu que outras pessoas deveriam sofrer junto com ele.

Boatos afirmam que a mulher e o amante estavam na estação na hora do incidente. E as más línguas especulam que ela estava grávida, não se sabe de quem.

Num vilarejo pacato como esse, ainda mais numa época tão longínqua como aquela, o policiamento era bem singelo. Haviam poucos guardas na estação, e eles foram as primeiras vítimas de Hamilton. 

O marido traído explodiu a própria cabeça depois de matar umas trinta pessoas - incluindo crianças - e deixar outras tantas feridas. 

Harry sabia que não deveria acreditar em tudo isso. Tem alguns pontos que claramente são um exagero fajuto - como o número de mortos, será mesmo que havia mais de trinta pessoas na estação naquele fatídico momento? Por que não correram? Como ele foi tão ágil com um rifle? E grávida? Pelo amor de Deus -, mas havia detalhes demais para uma narrativa inventada.

Não à toa que o massacre de Hamilton, ou mesmo apenas a estação atual, tenha sido cenário para inúmeros pesadelos de Harry. 

Isso antes do seminário, claro.

E seu medo não é resumia aos fantasmas atormentados, ele também tinha medo do mal palpável. 

Enquanto observa a estação a uma distância segura e - de rabo de olho - vigia o bosque à direita, ele pensa em grupo de bêbados e drogados e em homicidas cruéis à espreita. Pensa que dificilmente conseguirá retornar para a bairro sem ser pego no meio do caminho. Pensa que dali ninguém ouvirá seus gritos. 

Quantos dias demorariam para encontrá-lo? Se é que um dia iriam. E se não o matarem logo? E se preferissem torturá-lo por dias, semanas, meses a fio?

Embora não veja nada suspeito, seu temor já atingiu o estágio em que é impossível superar - é difícil assegurar se ele chegará lá antes de ter um treco.

Aliás, como sequer planeja ficar ali mais tempo do que o necessário, pra quê ir além de onde está? Aqui já tá de bom tamanho.

Não obstante, contrariando seus impulsos que ordem que ele faça logo o que tem que fazer e dê no pé, Harry se agacha, colocando a mochila no chão para revirar seu conteúdo.

immaculate sin of the lovers • L.S.Onde histórias criam vida. Descubra agora