CAPÍTULO 1 - O REENCONTRO

4 1 0
                                    


O grão-mestre Heinrich Von Plauen despediu-se solenemente de Jan Bazynski e do rei Casemiro. Após todas as formalidades e cerimônias, o novo regente da Prússia se sentava agora orgulhoso e convicto no trono que um dia fora o dele. Engulhos incandescentes de ódio invadiam sua garganta, enquanto ele saía apressado do salão do trono. O insuportável fel da derrota queimava suas entranhas, mas não lhe tirava o equilíbrio e o bom senso. A batalha pela Prússia havia sido perdida e naquele momento o que precisava era escapar com vida e retornar com segurança para os braços do Sacro Império Romano Germânico. Sentiu uma profunda nostalgia ao relembrar de sua amada Turíngia. Sim, voltaria para casa e ocultaria a fortuna imensurável sob seu castelo em Weimar. Só depois disso, prestaria as devidas contas ao conselho do império e decidiria o que fazer. Subiu em sua luxuosa carruagem cercado pelo pelotão dos dragões de ferro, sua guarda pessoal e todos abandonaram rapidamente o pátio do castelo de Malbork, antigo Marienburg. No chifre de Zantyr o comboio se dividiu. Os vagões com os tesouros pilhados seguiram para a Turíngia, no extremo sul, enquanto o Grão-mestre e dois pelotões seguiram para Balga. Apesar da enorme possibilidade de ser seguido ele decidiu retornar à cidadela mesmo assim.

Uma das partes do acordo fora obter trânsito livre por quaisquer das rotas que optasse. Von Plauen pensava nisso enquanto olhava para o mapa que recebera de Karvelis alguns meses antes. Cumpriria agora a última demanda de seu mestre e antigo protegido, estando no lugar marcado no mapa. A advertência grave e sombria deixada por ele ainda assombrava sua mente.

"Se porventura os pagãos vencerem e me derem como morto, deveis retornar a Balga e me encontrar nesse ponto!"

A carruagem deslizava suave e balouçante naquele gélido entardecer enquanto ele lembrava com uma decepção angustiante da figura antagônica do clérigo. Karvelis era senhor de uma imponência estranha e descabida, e para ele, o homem parecia ser imortal, onipotente e onipresente. Sem perceber o passado tomou-lhe os pensamentos.

O primeiro encontro entre eles ocorreu nas cortes teutônicas após o primeiro tratado de Tórun. A identificação fora imediata. Pareciam se conhecer de outras vidas, como o bispo costumava dizer. Com seu trabalho incansável e suas artimanhas obscuras, Karvelis conseguira a sua escolha como vigésimo sétimo Grão-mestre da Ordem dos Cavaleiros Teutônicos de Santa Maria de Jerusalém, superando o favorito Von Tettingen. Um resultado inesperado e estranho. Ainda mais estranho por jamais ter sido contestado, fato inédito nos corredores do poder do Império, infestado de pérfidos jogos políticos. Por diversas vezes Karvelis se antecipava a Heinrich Von Plauen mostrando os caminhos que deviam ser seguidos para situações que ainda não haviam acontecido, mas que, estranhamente aconteciam como ele previra. Ele aparentava saber de tudo se antecipando às atitudes e decisões do alto clero e do conselho central do império. Pairava sobre todos como uma grande e negra ave de rapina. Tudo isso era assustador, mas ao mesmo tempo o fascinava. Von Plauen sempre alimentou uma solida fé nos poderes do bispo e nas infinitas forças ocultas que ele conseguia conjurar, mas apesar de todas essas habilidades sobrenaturais tudo se perdera. As promessas de fortuna, vida eterna e o domínio de todo o Báltico agora ficavam para trás, em uma página virada naquele amargo livro de derrotas. Ele suspirou o seu abandono e voltou-se novamente para a paisagem.

Contornaram a cidadela no final do oitavo dia. Não ousaram atravessá-la. O caminho mais curto apontado pelo general dos dragões também era o mais perigoso. Von Plauen e seus soldados, apesar de numerosos e bem-preparados, não seriam páreo para uma multidão enfurecida que certamente os massacraria com a total anuência do exército prussiano. Chegaram ao local indicado no mapa no início da noite. Era um pequeno vale a alguns quilômetros ao sul do castelo de Honeda. Grandes estruturas de pedra de formato curioso se erguiam na escuridão gelada da noite. Segundo as instruções de Karvelis eles deveriam aguardar ali o tempo que fosse necessário.

"Necessário para que? O que iria acontecer?" Pensou o Grão-mestre.

- General Hermann, iremos acampar aqui, providencie as acomodações! Disse Von Plauen acenando da janela da carruagem.

- Por certa vossa magnificência, mas devo vos alertar que estamos muito próximos da cidadela e consequentemente de seu povo enfurecido!

- Não preciso ser alertado do óbvio general, prossiga! Tornou Von Plauen com um tom que desencorajava qualquer contra-argumento.

- Não preciso ser alertado do óbvio general, prossiga! Tornou Von Plauen com um tom que desencorajava qualquer contra-argumento

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.

O grão-mestre desceu da carruagem e se deslocou até a suntuosa tenda montada a alguns metros da estrutura circular do complexo. Ao passar os olhos por ela pensou ter visto algo, um vulto pairando sobre as pedras parecia acompanhar seus passos na escuridão. Piscou várias vezes e esfregou os olhos sofregamente, incrédulo e apavorado. Ao voltar os olhos para onde achou ter visto a sombra de contornos conhecidos, não mais a encontrou, e então, uma estranha sensação o invadiu. Era como se algo o chamasse em sussurros para o grande orifício que se destacava negro sob a luz das tochas. Não soube o porquê, mas resolveu atender àquele estranho chamado e comunicou ao soldado que o escoltava.

- Capitão, transmita minhas ordens ao general. Quero uma varredura completa do local. Quero todos os cantos desse lugar fuçados com a obstinação de um javali! Falou enquanto apontava com o queiro o altar circular.

A madrugada dera seus primeiros sopros gélidos entre as árvores, quando os soldados se postaram à frente da tenda do comandante-mor dos cavaleiros teutônicos. Carregavam algo envolto em lençóis.

- Vossa magnificência, encontramos esses restos mortais no interior daquele, ahnn....daquele poço! Declarou o capitão Higlitz em um tom sufocado pela náusea.

- Restos mortais? Ah bom Deus, como gostaria de ter um físico em minha comitiva agora! Respondeu Von Plauen para si mesmo.

Nesse mesmo instante, todos voltaram a atenção para o lado oposto. Um pequeno pelotão se deslocava em direção a eles, arrastando alguém que parecia desacordado.

- Grão-mestre, encontramos esse biltre bisbilhotando no entorno do acampamento! Ao dizer isso as sentinelas jogaram o invasor aos seus pés.

- Pois bem incauto! O que o trouxe até o lugar onde perderás a cabeça? Vos concedo a chance de responder ainda com vida e ter uma morte digna e rápida! Bradou Von Plauen, agastado com a ousadia do pária.

- Precisava encontrá-lo Von Plauen, em nome de sua eminência, o bispo Alek Karvelis, eu precisava encontrá-lo! O sujeito respondeu sem se levantar, com uma voz rouca e sombria.

- Como....como ousa mencionar o sagrado nome do bispo e dirigir-se a mim como a um conhecido? Tornou o antigo mandante da Prússia.

- Porque nos conhecemos meu amigo. Há um longo tempo! Respondeu o sujeito enquanto se levantava colocando-se diretamente em frente aos olhos de Von Plauen.

Este emudeceu. Não teve forças para sustentar a mandíbula que se abria em um ricto de incredulidade. Parado ali na sua frente, estava o desaparecido, dado como morto, mestre físico doutor Heydrich Gheller em carne e osso.

Rayd e a lua do caçador  - Vol. III  - O terceiro reinoWhere stories live. Discover now