Capítulo 1 - O Pequeno Centauro

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        Ikarus subia o morro com velocidade

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        Ikarus subia o morro com velocidade. Pulava sobre as raízes das árvores, ouvia pequenos galhos se partindo sob o peso de seu corpo, deixava um rastro de arbustos desgrenhados por onde passava. Dentro da cesta em seus braços, dezenas de maçãs recém-colhidas chacoalhavam de um lado para o outro.

        Embora estivesse apenas começando a mostrar os sinais da adolescência, Ikarus era tão forte quanto... bem, quanto um cavalo. No entanto, uma das primeiras lições que aprendera era a de que força não significava habilidade e, embora admitir isso doa mais do que bater o casco na quina, Ikarus era o mais desastrado dos centauros.

        Sua mãe, sempre otimista, afirmava que um dia ele encontraria algo no qual fosse bom, mas ele não se deixava enganar. Ikarus sabia que não se destacava entre os irmãos. Era medíocre em todos os afazeres: estudos, tarefas domésticas, arco e flecha. Um verdadeiro patinho atrapalhado. Às vezes parecia que não se encaixava dentro de seu próprio corpo. Assim sendo, tentava se dedicar ao máximo sempre que recebia um dever.

        Corria tanto quanto as patas o permitiam, sentindo-se tão veloz quanto uma fênix. Seus longos e lisos cabelos castanhos voavam ao vento. Entregar as frutas na casa de seu tio, no alto do morro, não era nada difícil. Mas pretendia terminar antes que o sol desse tchau, na esperança de que, pelo menos nessa tarefa, pudesse mostrar que era bom em alguma coisa.

        Reconheceu a paisagem à sua frente e soube que estava próximo. Ele saltou sobre mais uma raiz, como que para comemorar sua vitória, porém não ergueu o suficiente as patas traseiras. Ikarus sentiu os cascos batendo na raiz grossa. Fortaleceu as patas dianteiras para amortecer a queda abrupta, e conseguiu manter-se de pé. Entretanto, a força do impacto fez a cesta escorregar de suas mãos. A tampa voou para um lado, as maçãs para o outro.

        Ikarus mal podia acreditar. Uma forte pontada de angústia atravessou seu peito. Tentou com muito esforço recolher as frutas, agachando-se de forma desajeitada, as longas pernas de cavalo tornavam a tarefa árdua. Recolheu três maçãs azuis que se prenderam entre folhas e galhos na terra e as colocou no cesto. Olhou ao redor e quase chorou ao perceber que todas as outras haviam rolado morro abaixo.

        Suspirou abatido, não teria coragem de dizer à sua família que havia fracassado mais uma vez. Ele queria desaparecer. Queria ir para um lugar bem longe dali. Uma parte dele o instigava a sair correndo, a fugir, porém ele sabia que não poderia fazer isso.

        Com a cesta quase vazia nos braços, Ikarus levantou os olhos para o céu. Uma criatura voava ao longe entre as nuvens. Um grifo. Ele nunca havia visto um, ainda assim, o único pensamento que teve foi o de desejar ser de outra espécie. Nem precisava ser uma criatura alada, ele pensou, ficaria bem contente se apenas pudesse deixar de ser um centauro.

        Sacudiu a cabeça e a cauda, sentindo um arrepio percorrer sua pelagem castanha. Olhou ao redor, perdido em pensamentos, e por um momento pensou ter visto algo diferente. Ele voltou seus olhos novamente para aquilo que lhe chamou a atenção, e o que encontrou o deixou boquiaberto.

        Distante alguns metros, sobre um gramado de um tom verde encantador, havia uma macieira.

        Ikarus piscou. Não deveria ter árvores frutíferas nessa região, no entanto, ali estava ela, coberta de maçãs de um azul tão escuro que o deixou com água na boca. Ele se aproximou com cautela, segurando a cesta firme entre os braços.

        Ao chegar perto da árvore, colheu uma maçã e a experimentou. O suco correu pelo seu queixo. O pequeno centauro nunca havia provado nada parecido; estava uma delícia. terminou de comer com mais algumas mordidas e prontamente começou a encher a cesta de frutas, como se fosse um esquilo escondendo nozes para o inverno.

        Balançava a cauda tomado de excitação. O tio ficaria extremamente feliz com a descoberta da macieira no morro. Seus pais e irmãos ficariam fascinados com o sabor da fruta.

        Puxou um galho da árvore para baixo e, com o canto do olho, viu uma mancha vermelha. Em um sobressalto, Ikarus deu um passo para trás. A existência da macieira até poderia ser explicada, mas aquilo era inconcebível.

        Ikarus nunca, em toda a sua vida, ouvira falar em uma maçã vermelha.

        Vermelha? Sim! Uma maçã vermelha.

        A princípio ficou com medo de tocá-la, porém a curiosidade falou mais alto. Ele apoiou os cascos dianteiros no tronco e esticou os braços para arrancar a fruta do galho. Examinou-a na sua mão. Definitivamente, era uma maçã vermelha.

        Trotou em torno da árvore, mas não encontrou nenhuma outra daquela cor. Sentiu-se culpado por ter tirado a fruta rara de seu lugar.

        Naquele momento, se as condições fossem ideais, Ikarus teria pensado que a fruta era venenosa, a embalaria com cuidado em uma folha de palmeira e a levaria ao seu professor para ser inspecionada. Contudo, o que aconteceu foi o oposto.

        Ikarus encarava a fruta em sua mão, completamente hipnotizado. Sentiu um desejo incontrolável. Seus grandes olhos, outrora de um castanho alaranjado e brilhante, pareciam opacos e sem vida. Tudo o que ele queria nesse instante era morder a maçã. Só uma mordidinha, ele pensou. E assim o fez.

        Assim que sentiu o gosto doce da fruta descendo por sua garganta, Ikarus voltou à realidade como se despertasse de um sonho. Percebeu, tarde demais, o que havia feito. Ele cambaleou para o lado, sentindo-se zonzo. Suas pernas estavam fracas e suas pálpebras pesadas.

        Desmaiou antes mesmo que seu corpo pudesse atingir o gramado.

        Desmaiou antes mesmo que seu corpo pudesse atingir o gramado

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𝙄𝙠𝙖𝙧𝙪𝙨 𝙚 𝙖 𝙈𝙖𝙘̧𝙖̃ 🍎 (ᴄᴏɴᴛᴏ)Where stories live. Discover now