Subentendidos

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- Você fez o quê? - quase gritou Rafael mostrando seu brilhante talento para indiscrição. Algumas pessoas no refeitório olharam para nós, curiosas. - Você fez o quê? - repetiu mais baixo. Victória abafou uma risadinha.

- Eu já disse: sai no meio do último período. Nada de mais. - disse indiferente.

- Mas e se alguém lhe pega? Ficaria surpreso se não fosse suspendida por no mínimo um mês.

- Quão otimista você é, Rafael! - ironizei. - Que bom que eu ser suspendida ou não independe de seu otimismo.

- Mas realmente foi imprudente. - concordou Vicky olhando de relance para Rafael que lhe deu um sorriso.

- O quê? Não foi você quem ajudou na execução de meu crime brilhante? - falou Miguel. Victória deu um audível resmungo.

- O que não significa que eu concorde com ele. - eu e Miguel nos entreolhamos e rimos de nossa querida irmã.

- Vamos, a sineta já tocou. - os chamei me levantando. Victória agarrou a mão de Rafael e saiu na frente, ainda chateada. Rafael olhou para nós e deu de ombros. Eu sabia que a chateação não iria durar mais que alguns minutos, então encolhi os ombros também. Miguel olhava para as costas da irmã com uma expressão de riso.

- Sabe Liza, eu estou começando a achar que foi mesmo irresponsável ter tirado você assim do colégio.

- Você está brincando? Não ter ido aquele lugar incrível? Não mesmo! - exclamei.

- Eu sei, mas... Alguém realmente poderia ter sentido nossa falta.

- Mas ninguém sentiu. E isso é o que importa. - ele estava prestes a retrucar quando alguém se postou a nossa frente interrompendo a passagem.

- Sim, Sue? - Miguel perguntou calmamente.

- Vocês estão tendo algum caso impudico entre irmãos...? - ela perguntou rapidamente, sem se importar com a introdução, oi ou alguma coisa parecida. Eu senti o rubor emanando em minha pele. Não conseguia dizer absolutamente nada. Que direito ela achava que tinha de constranger as pessoas daquele jeito?

- Não somos irmãos. - Miguel respondeu calmamente com a voz impassível, ele não estava nem um pouco abalado. Na verdade, ele parecia estar se divertindo com aquilo.

- Mas...- Miguel não deixou a garota terminar e me arrastou para longe. Eu ainda não conseguia falar nada, sentia o sangue ainda quente em minha face.

- Tudo bem? - Miguel foi o primeiro a falar, de modo cauteloso.

- Ah, sim. - menti. Eu não sabia o porquê da minha reação tão atônita, não devia ligar para o que as pessoas estavam dizendo. Contudo, o pensamento pouco adiantou. Continuei calada até me virar para o corredor e entrar na sala de aula, onde me sentei em meu lugar habitual anormalmente quieta.

Eu, sinceramente, tentei prestar atenção a professora. Até consegui entender alguma coisa sobre hibridização e anotar parte da aula, mas durou até pouco depois do início da aula. No meio da explicação da professora sobre ligações tetravalentes, eu me peguei vagando sobre nada especificamente, brincando distraída com a delicada pulseirinha em meu braço.

Na noite anterior, eu demorara um pouco para dormir, não por conta de minha seção fílmica com Miguel (chegamos um pouco tarde, infelizmente), mas pela insistência de minha mente em repetir o dia inteirinho em detalhes. Era quase inconsciente, eu não percebia que estava ouvindo mentalmente a voz de Miguel até me flagrar. Não sabia exatamente o porquê dessas divagações absurdas, mas estava começando a chegar a uma conclusão. E não era agradável pensar que o motivo de eu estar a todo o momento pensando na voz de Miguel ou de estar me perdendo na imensidão de seus olhos negros era exatamente aquele. Eu precisava chegar à outra conclusão, uma que fosse mais sensata que aquela.

O irmão de minha irmãOnde as histórias ganham vida. Descobre agora