XXIV - A queda do mundo

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 primeiro som não passou, na verdade, de uma vibração. Um eco surdo ecoou pelo ar e comprimiu seus olhos para mais dentro do crânio, como mãos enormes os apertando, o cérebro pareceu inchar, e Urd imaginou por um instante que seus miolos pudessem vazar pelas orelhas. A tenda se desfez ao seu redor, e enfim a explosão tomou as proporções de estrondo e dimensão que lhe era esperada.

O grito de Madd sobressaiu-se ao som de madeira partindo, mas Urd percebeu que era o som que os ossos fazem ao se quebrar. As vibrações remanescentes levantaram um vento forte que as empurrou para trás e Urd viu o osso exposto na coxa da jovem, o sangue manchando o ar, juntando-se à poeira enquanto as outras tendas desabaram ao redor. Quando Urd caiu, parte de uma viga entrou-lhe pelas costas, sentiu a ponta em sua barriga quando levou a mão até lá, e de repente não conseguia se mexer.

O mundo girou ao redor delas e Madd gritou outra vez, estendendo a mão na direção de Urd, mas não houve tempo. A última viga da tenda se soltou, acompanhando a rajada de poeira e ruínas, e a madeira perpassou-lhe o crânio. Entrou-lhe pelo olho e sangue respingou no rosto de Urd, o efeito do impacto era impressionante, e foi difícil digerir a princípio.

Quando a ventania parou, Urd viu pedaços de carne sob o corpo de Madd, e se arrastou até lá e o pedaço de madeira bamboleava dentro de sua barriga, podia-o sentir arranhando órgãos e quebrando-se em pedaços menores, o buraco se alargando pelo esforço. O maxilar de Madd estava quebrado e pendia exibindo toda a arcada dentária sanguinolenta, um pedaço da língua havia sido arrancado por uma mordida violenta. O nariz delicado havia desaparecido, solidificando-se numa abertura que lhe arrancara também parte da cabeça, o couro cabeludo quase não existia, o sangue havia parado de sair, parecia não haver muito mais.

Urd sabia que não havia nada a ser feito, rastejou sobre o próprio sangue e sobre o sangue dela e se deitou, colocando a cabeça em seu ventre, olhando para o céu que aos poucos se revelava através da poeira.

— O mundo destruiu a nós duas — sussurrou —, olhe só para você.

Uma gargalhada maníaca cruzou-lhe a boca e um berro fê-la sacudir e cuspir sangue, que voou e voltou a cair sobre seu próprio rosto, manchando sua visão de rubro. Tentou deixar que as lágrimas saíssem, mas permaneceu em silêncio, e o silêncio tornou-se exaustão e afundou lentamente rumo ao inconsciente.

De Trevas e Sangue  [CONCLUÍDO]Where stories live. Discover now