- Pai! Perdoai-os... Eles não sabem o que fazem! – Disse, em aramaico.
Os soldados travaram com aquele lamento. Porém, um dos soldados que assistia, avançou sobre o corpo, dando uma bofetada no rosto ensanguentado do Mestre.
- Maldito judeu! Nem os mortos nem vivos são dignos de piedade!
O corpo atingiu o ápice do poste, pendendo como uma pesada pedra amarrada por duas cordas esticadas. Seus braços formavam um ângulo de 65 graus com a barra horizontal, enquanto seus pulmões eram esmagados pelo peso do seu corpo suspenso no ar. O chefe da tropa romana passou uma placa que foi fixada pelo solado por cima do madeiro vertical, onde se lia em hebraico, grego e latim a mesma sentença, anunciando o crime pelo qual o homem fora condenado: Yehoshua de Nazrath, rei dos judeus.[1]
Os pés, por sua vez, foram pregados com um prego cada, causando certo alívio ao condenado que tinha sua respiração esmagada pelo início daquele processo de asfixia. O fim das manobras dos soldados fez irromper um sonoro e macabro aplauso dos expectadores. Várias pessoas passaram a zombar do crucificado, perguntando sobre seu poder de salvar aos outros, mas não a si mesmo naquela situação, assim como lhe desafiando a descer da cruz.
Enquanto assistia próximo à cruz aquele levante da multidão que aos poucos ia deixando a colina, senti atrás de mim uma mão tocar meus ombros. Aquela projeção mental fez minha cabeça girar automaticamente, passando a encarar Yahron, descerrava um semblante de assombro.
- Por que Ele está fazendo isso? – Meu amigo me perguntou.
- Porque Ele quer dar o exemplo para todos, até mesmo na morte. – Outro Sacerdote atrás de nós respondeu, enquanto analisava o deplorável estado de Yehoshua.
- Não, Ele não quer dar nenhum exemplo. – Disse-lhes, solenemente. – Ele é o exemplo. É a Ele que deveríamos seguir, porém insistimos em cometer os mesmos erros, dia após dia, assim como esses soldados.
Eles me olharam, enquanto acompanhávamos o desenrolar dos acontecimentos. Um dos revolucionários continuava xingando os soldados, sendo golpeado pelo cabo da lança, enquanto o outro apenas assistia a cena em silêncio, observando a serenidade do Mestre.
- Se tu és o Filho de Deus... Por que não realiza a tua salvação e a nossa?! – Gritou o condenado chamado Gistas, enquanto tentava se recuperar do golpe. O Soberano nada respondeu, porém, o outro crucificado, de nome Dimas, respondeu à zombaria.
- Não temes nem mesmo a Deus? Não vês que nossos castigos são por nossos atos? Mas... este homem está sendo castigado por uma injustiça! Não seria melhor buscarmos... o perdão de nossos erros... e a salvação... de nossas almas?
Entre os gemidos da dor provocada ao se apoiar nos pés para tomar fôlego, o homem voltou-se ao Mestre, surpreendido com a paz emanada por aquele gigante que havia sido crucificado.
- Senhor... Lembra-te de mim quando chegares ao teu Reino.
E então, voltando-se para o homem, percebendo a sinceridade de suas palavras, o Mestre respondeu, esforçando-se para falar.
- Em verdade... em verdade, hoje eu te digo... Algum dia tu estarás junto a mim... no Paraíso.
Após esse absurdo esforço, o corpo do Soberano veio abaixo. Percebemos então que o ritmo cardíaco do Mestre havia aumentado, assim como a dificuldade para inalar o pouco ar que conquistava com seus já debilitados pulmões.
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Os Contos Perdidos de Yuransha: A Hora das Trevas
Short StoryO dia é 6 de abril do ano 30. A lua brilhava intensamente sobre Jerusalém, porém, lá embaixo, a cidade estava mergulhada nas sombras da noite. Após celebrar a Páscoa judaica com seus discípulos, Yehoshua ben Yosef - conhecido como Jesus de Nazaré...
DOCUMENTO 005: LONGE DA SALVAÇÃO ESTÃO OS MEUS RUGIDOS
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