Capítulo Um

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Sou estabanado, distraído e dramático. Pelo menos é o que diz o quiz da internet, e desde então acredito e faço de tudo para honrar tais adjetivos, mesmo não concordando com o segundo. Na coluna de imagens daquele teste sem noção, eu deveria ter escolhido o arco-íris em vez do algodão-doce que, segundo o site de "encontre sua personalidade", indica que você tem tendências fantasiosas. Vive no mundo da Lua. Está em constante viagem para Maionese; como diria minha vó nos anos 80.

Mas, sabe, não me acho uma pessoa distraída, pelo contrário, sempre presto atenção na aula, no que meus pais falam, nas reportagens cansativas do Fantástico. Sou cem por cento focado e quase nunca deixo de presenciar este mundo de...

— Felipe! — grita minha mãe estridente. — Seu pai tá na garagem te esperando. Tá demorando por quê?

Bom, talvez eu seja um pouco distraído, o que me faz chegar atrasado nos lugares, principalmente no colégio onde passo a maior parte do tempo. E hoje, por se tratar do primeiro dia de aula, não é diferente. No entanto, mesmo sabendo que estou com o tempo contra mim, não faço a menor questão de me apressar, pois chegar atrasado no colégio é a minha marca registrada, como o especial do Roberto Carlos é a marca do fim do ano, ser cancelado a do Twitter e baixa audiência a marca das novelas da Record.

Então rumo à porta de saída do apartamento cruzando a sala de piso laminado contando os passos, quando minha mãe grita outra vez antes que eu possa sair sem que ela se intrometa em algo.

— Leva um casaco. Está frio lá fora — diz, de algum lugar que não faço a menor ideia.

Estamos no último mês do verão e não acho que precisarei de um, porém, como moro em Curitiba, não posso confiar no tempo. Aqui, amanhecemos com 10 graus, almoçamos com 15, tomamos café da tarde com 21 e vamos dormir com 13.

Dou meia-volta e rumo ao meu quarto e o encontro extremamente bagunçado. Roupas espalhadas, prato com migalhas de pão, copo sujo de leite esquecido na escrivaninha do computador. Sério, quem fez essa bagunça? E a resposta é instantânea: Eu! Talvez devesse acrescentar "desorganizado" na minha lista de adjetivos.

Pego o casaco preto o jogo no ombro. O relógio pendurado defronte à minha cama berra comigo: "Felipe, você está mega atrasadooooo!". Não que eu não saiba, porém o tempo que perdi é bem maior do que havia planejado.

Saio apressado de casa batendo a porta atrás de mim e acelero o passo até o elevador. Aperto o botão freneticamente como se esse movimento interferisse na velocidade desse velho elevador que me estressa toda manhã, e não quero descer doze andares de escadas, apesar que minha panturrilha agradeceria, assim como meu condicionamento físico.

Finalmente chego ao subsolo onde fica a garagem. Caminho entre algumas vagas para chegar ao carro e, entrando pelo lado do passageiro, encontro o olhar furioso do meu pai que comprime a expressão carrancuda.

— Toda manhã a mesma coisa, senhor Felipe — murmura ele, movendo o bigode preto e preenchido para cima.

— Em vez de brigar comigo, porque não dá partida e vamos logo? Estamos atrasados — tento fazer graça. Mas meu pai não acha!

Levo um tapa na cabeça vindo de uma pessoa sentada no banco detrás.

— Se eu chegar atrasada na faculdade, eu te mato! — profere Sara, meu carma dois anos mais velha.

Meu pai liga o carro e então saímos do subsolo encontrando a luz do dia assim que o veículo adentra o pavimento asfáltico. Quando chegamos ao colégio, mais que de pressa, saio do veículo jogando a mochila nas costas e acenando uma despedida ao meu pai. Para Sara, mostro a língua. Infantil, eu sei, mas é assim que gosto de tratar minha irmã.

MaracujáOnde as histórias ganham vida. Descobre agora