I took the supermarket flowers from the windowsill

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O preço que Maya Bishop pagava por ter um ponto fraco era altíssimo.

Ela sempre teve um escopo extremamente bem definido e seguro do que sua vida poderia ser. Tinha seus rituais sagrados e pontuais, como sua corrida matinal, sua devoção ao trabalho - que era, sim, uma espécie de coisa sagrada e pontual -, o controle extremo do seu espaço, dos seus sentimentos, da sua vida... Tudo era lindo e estável. Era.

E, veja bem, mesmo tudo sendo tão instável, apavorante e aterrorizante, Maya nunca esteve tão feliz e... estável? Complexo, não é? Os dois conceitos eram inimigos um do outro, mas aquela era a verdade.

Há uns tempos, seu ritual mais sagrado era correr todos os dias. Todo santo dia.

Era sua obrigação, quase uma dívida consigo mesma. Quando corria pelas ruas de Seattle, se sentia conectada com toda a sua história, entendia o porquê de fazer o que fazia e estar onde estava. Entendia que tudo o que havia acontecido durante toda a sua vida foi condição necessária e suficiente para que ela estivesse ali, sendo a capitã da Estação 19, fazendo o ótimo trabalho que sempre fez.

Seu outro ritual, secreto e mais do que sagrado, mas não tão frequente, um dia foi assistir, quando conseguia e achava que merecia, alguns episódios do seu desenho favorito, Pinky e o Cérebro, enquanto se alimentava da pior forma possível (soda e algum hambúrguer de fast food). Sem se preocupar com medalhas de ouro, opiniões de terceiros ou qualquer outro tipo de coisa. Aquele momento era apenas dela, do sofá, de alguma comida que estragava o estômago e da televisão.

Outra de suas coisas sagradas era os exercícios físicos na estação. Sempre que estava por lá, se enfiava naquela academia por horas, quando não estavam atendendo a algum chamado. Acreditava que, dessa forma, conseguiria ter um melhor condicionamento físico em meio ao caos. E essa também era uma forma de blindar sua mente, mantê-la um pouco em dia.

Mas, apesar de todas essas coisas, o novo ritual mais sagrado, pontual e principal de Maya era sentir, voluntariamente, seu coração ser esmagado todos os dias, o tempo todo. Ele doía tanto que podia senti-lo tentar escapar de seu peito pra fazer com que ela morresse de uma vez. A loira podia jurar que iria infartar a cada segundo, já que quando via aquela pessoinha de cabelos castanhos e olhos amassadinhos de sono em sua cama, toda a fortaleza que havia construído ao redor de si, durante todos esses anos, era derrubada injustamente.

Não precisava de competição, ela se rendia prontamente. Se sentia no seu estado mais vulnerável e exposto, com um medo tão grande, mas tão grande, que nem a sensação de ter que cuidar de milhares de prédios com fogo de metanol era párea.

- Oi, carinha... - passeou os dedos pelos cabelos do menino sonolento. - A mamãe acabou de chegar, mas não queria te acordar. - fez careta, se punindo por não ter sido silenciosa o suficiente. - Só queria te trazer aqui pro quarto, pra gente dormir abraçadinho. - justificou, com a voz arrastada e suave, assistindo o menino se espreguiçar. - Desculpa a mamãe?

- Mamãe... Chegou? - ele murmurou, agarrando os dedos da mão da loira com as duas mãozinhas, se esforçando pra abrir mais os olhos. Ainda estava confuso, a chupeta escorregava de seus lábios e aquilo tirava um suspiro longo e aliviado de Maya. Era uma de suas cenas favoritas e ela queria tanto, mas tanto, conseguir assistir aquele menino crescer o tempo inteiro. Queria poder não tirar os olhos dele por um segundo sequer. Ele parecia maior do que quando o deixou com a babá antes de sair para o trabalho. - Tomou banho? - perguntou logo em seguida, arrancando uma risada baixa da mulher, que se acomodava no colchão.

- Tomei banho. - depositou um beijo na bochecha quente do menino, sentindo seu cheirinho favorito ali.

- Pode dormir em cima de você, mamãe? Cadê a Anne? - perguntou, já se aconchegando no corpo da mãe, que o recebia de braços abertos, ansiosa pra acariciar os cabelos cheirosos.

Supermarket FlowersWhere stories live. Discover now