CAPÍTULO 2 - TODA DOR DO MUNDO

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> Atualmente <

Hoje foi uma manhã diferente, o dia estava escuro e cheio de nuvens, a definição de dia triste que eu definitivamente odeio. Quando desci para tomar café, percebi que meu pai parecia preocupado ou talvez até angustiado com algo, e quando o perguntei sobre isso ele disfarçou e me perguntou se Alexie ainda estava faltando. E foi naquele momento que, finalmente percebi que Alexie nunca respondeu as mais de 145 mensagens que eu mandei, e também não tinha ido mais às aulas, e quando fui a sua casa, só encontrei a Dora, sua faxineira. Ela me disse que Alexie tinha viajado para o Alasca, parece que a família solicitou a presença dela lá. Naquele dia eu achei que era alguma emergência familiar, mas agora eu realmente estou preocupada com ela. Alexie nunca passou mais de 24hrs sem me responder desde quando nos conhecemos, e agora, ela não só passou mais de 24hrs sem me responder, como já se passaram sete dias.

- Ela viajou para o Alasca, a família dela pediu.. - Eu respondi, embora não tivesse certeza se era isso mesmo.

- Entendo.. Querida, hoje não vou poder levá-la para a escola. Tenho que resolver uns problemas no trabalho. - Disse meu pai.

- Ok.. - Respondi.

Meu pai era policial, então eu tinha que me acostumar com suas saídas inesperadas e suas constantes investigações sobre a minha vida pessoal. Mas, geralmente ele só era ele, calmo e sempre muito calado, com suas piadinhas sem graça e seu vicio em joguinhos de celular. Eu amo meu pai, ele é minha família, e mesmo que a minha tia Betina também seja e venha quase todo ano me ver trazendo presentes maravilhosos do Alasca, eu sempre vou escolher meu pai policial careta. Minha tia Betina era a irmã mais velha da minha mãe, mas ela não se parece nem um pouco com ela, nem em personalidade e nem em aparência. Minha tia era alta e magra e transmitia uma aparência de uma pessoa elegante e inteligente, não que minha mãe não fosse inteligente também, mas segundo meu pai, a minha mãe era como eu e ela adorava o verão, a natureza e as flores. A minha mãe também tinha os cabelos ruivos e era cheia de sardas no rosto, que meu pai chamava de céu estrelado, como no quadro de "Van Gogh".

Assim que terminei de tomar meu café, subi para me arrumar. Decidi ir de bicicleta hoje, embora eu tenha aprendido a pouco tempo, quando Benjamin ficou indignado de saber que ninguém nunca me ensinou. Eu ainda tenho um pouco de medo, mas ele prometeu me encontrar no meio do caminho. Me sentia segura com Benjamin, ele sempre sabia o que fazer e dizer e parecia sempre tão disposto a me defender se fosse o caso, nunca entendi bem o que sentia em relação a ele. Uma vez, quando ele me levou para praia, e nos ficamos ali sentados em meio a toda aquela brisa fresca e meus pés eram chicoteados pela água fria, ele me perguntou se alguma vez eu me senti apaixonada por alguém, e eu percebi que talvez nunca tivesse sentido tal sensação e minha resposta foi quase tão imediata quanto sua reação. Um misto de decepção e talvez ansiedade invadiu o seu belo rosto, mas logo foi preenchido por uma carranca que ele sempre fazia inconscientemente. Sempre que penso em Benjamin, a música "A dream i had in my past life - Francisco Sola" me vêm em mente.

Na escola, a mesma coisa, sem Alexie tudo parecia tão sem graça e pior, sem fofocas. Hoje teve um teste surpresa de matemática, e sinceramente, quase não passei nele, não sou boa com cálculos. Sempre gostei, na verdade, de ler livros. Qualquer tema me interessava, desde que a escrita fosse cativante e a história fosse boa, mas ultimamente não tenho tido muito tempo para me dedicar a leitura. Mas, sempre que posso arrasto Alexie até a biblioteca da escola e ficamos horas caladas em uma espécie de silêncio bom. As histórias que eu mais gostava eram de romance, e sempre me imaginava vivendo a vida das personagens, entrando em seus mundos e vivendo suas experiências. Alexie gostava de livros antigos, geralmente de lendas ou sobre tribos nativas, línguas estranhas ou livros de história. Sempre me perguntei da onde ela tirava ânimo para ler páginas e páginas daqueles livros, e olha que sempre eram livros enormes e pesados, mas ela nunca demorava mais de um mês para ler tudo aquilo.

O caminho de volta para casa foi tranquilo, até chegar enfrente a minha casa, eu fiquei parada por alguns minutos imaginando o que tinha acontecido. Tinham vários carros de policia em frente a minha casa, a nossa vizinha Margott estava desesperada falando com um dos policiais, e enquanto eu me aproximava procurando pelo meu pai, percebi que tinha uma ambulância. Quando cheguei próximo a minha porta, um dos policiais me parou e me perguntou se eu era da família, eu respondi que sim, em choque, mesmo sem saber o que tinha acontecido eu já imaginava o pior. O policial me disse que o meu pai havia sido esfaqueado no pescoço, e que a faca não foi encontrada, a vizinha viu quando o meu pai saiu de casa com a mão na garganta, coberta de sangue. Ele continuo dizendo que os médicos fizeram o que podiam naquela situação, mas já era tarde demais quando a ambulância chegou. Meu pai estava morto...

Fiquei parada e em silêncio por longos e infinitos 5 minutos. Durante esses 5 minutos, o policial não parava de falar e a pobre Margott não parava de chorar e dizer que não tinha condições de cuidar de mim. Meu cérebro viajou para todos os momentos que tive com meu pai, todas as nossas conversas e piadinhas, as vezes que ele me ajudava com a lição de casa, e porra...eu já estava ficando sem ar, e minha cabeça parecia que ia explodir, e eu queria pensar que tudo aquilo não passava de mentira ou alguma zueira que ele tinha arranjado com os colegas de trabalho, mas não... era verdade...meu pai morreu e eu nem pude contar a ele que talvez eu estivesse apaixonada. É incrível a forma como perdemos alguém que amamos de forma rápida e sem explicação. Certa vez, em uma daquelas conversas fúnebres que alguns pais tem sobre a "morte deles", ele me disse que a minha guarda na verdade é da minha tia Betina e que foi ele que quis assim. Ele me passou instruções que, se caso algo acontecesse com ele, era pra ligar imediatamente para ela e pedir que ela viesse cuidar de tudo.

- Você tem algum parente próximo? Tenho que conversar sobre a investigação que será aberta, seu pai claramente foi assassinado por alguém! - Disse o policial.

- Meu pai era o meu parente mais próximo, mas tenho uma tia que mora no Alasca, vou ligar para ela...com licença. - Respondi, tirando forças de dentro de mim que eu nem sabia que tinha.

Digitei o número da minha tia, tropeçando os dedos de forma desastrada pela tela, e liguei para ela. Após alguns minutos ela me atendeu.

"Lydia? Tudo bem querida?" Disse ela.

"Tia...é...o meu pai...ele" Tentei continuar e falar o que estava acontecendo, mas as lagrimas começaram a cair e eu não pude conter.

"Entendi querida, estou indo" Ela disse, ela já sabia o que estava acontecendo só pela minha voz.

COLD BONES - VOLUME IOnde as histórias ganham vida. Descobre agora