Ato I: Passado

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📍São Gonçalo

🗓25 de abril de 2014

Estava sozinha em casa, apenas eu e meus pensamentos. Minha mãe, a única pessoa da minha família que me restou, vagava pelas ruas frias de São Gonçalo, em pleno domingo, provavelmente em busca de alguma droga maldita que lhe desse um pouco de adrenalina e lhe trouxesse a falsa sensação de poder e vivacidade, nem que seja por apenas algumas horas e para isso ela tivesse de colocar em risco sua única filha.

Assistia qualquer merda na televisão, apenas para me distrair e não me sentir tão sozinha. Já era madrugada, mas eu não conseguia dormir nem se minha vida dependesse disso. O vento batendo  nos galhos frágeis das poucas árvores que restavam na metrópole, o breu da madrugada inundando a sala, as vozes vacilantes a quarteirões de distância, provavelmente vindo da boca algumas ruas atrás de casa, tudo dava aquele cenário um ar macabro de filme de terror. Não era exatamente o ambiente mais adequado para uma criança de 12 anos dormir, sozinha ainda.

De repente, batidas insistentes ressoaram pelo cômodo, avisando que havia alguém a porta. Quem diabos estaria afim de uma visitinha as 3 e meia da manhã? Um ladrao ou estuprador, pensei de cara.

Podia ser criança, mas não era idiota. Mutei a televisão e tomei todo o cuidado do mundo para não fazer um barulho sequer, convencida de que isso faria quem quer que estivesse ali desistir de me roubar ou qualquer crueldade do tipo.

-SOU EU PORRA - ouvi a doce voz de Isabela, minha melhor amiga

Puta que pariu, 3 e meia da manhã? Levantei sonolenta do sofá e abri a porta a contragosto, dando de cara com uma assustada Isa. Logo esqueci meu ódio para dar lugar a preocupação.

-Isa, 'tá tudo bem?

Ela apenas me olhou e logo entendi: Não. Não estava tudo bem.

-Ele fez alguma coisa com você? - Perguntei furiosa, não mais com ela.

-Eu não quero falar disso, Bia. - respondeu ríspida.

-Azzy, por favor, você tem que falar com alguém sobre isso - disse apelando para seu apelido que havia dado pra ela tantos anos atrás - isso não tá certo.

-Eu sei, tá? Eu sei! Mas não tão simples assim.

-Não importa! Pode ser a coisa mais difícil do mundo, mas tem que ser feita. Aquele homem merece pagar por tudo de ruim que fez com você. Fala com sua mãe. Por favor. - supliquei

-ELA NÃO VAI ACREDITAR EM MIM - Se alterou

Respirei fundo e decidi não insistir no assunto, pelo menos nao por agora.

-Eu posso ficar aqui? - perguntou manhosa, depos de se acalmar.

-Claro que pode. Você sempre vai ter um lar aqui.

Ela sorriu pra mim genuinamente, o que fez toda minha alma se iluminar. Tudo que eu queria é fazer toda a dor dela desaparecer, a qualquer custo, mas eu não podia fazer nada. Me sentia impotente, não sabia como ajudá-la. Naquele momento, tudo que podia fazer era estar do seu lado.

-Isa - sussurrei quando ela estava prestes a adormecer, deitada do meu lado no sofá

-Oi - grunhiu de volta

-Eu vou tá do seu lado. Pra sempre. Juro por todas as brabuletas do mundo.

Ela riu baixinho lembrando da forma que nos embolavamos ao falar a palavra borboletas quando mais novas e logo caiu no sono. Já nao estava mais sozinha, então logo também cedi e adormeci. Nunca dormi tão bem quanto ao lado dela.

Brabuletas - AzzyOnde histórias criam vida. Descubra agora