Todo esse papo de ser grato à proteção dos outros, o seminarista não concorda. Se não fosse por tanta guarda, talvez hoje ele saberia reagir como um homem de verdade nas situações em que precisa se provar e se impor.

Em vez disso, quando uma situação afeta demais seus nervos, ele permanece mortalmente petrificado. O pior instinto de sobrevivência possível. Até os ratos fogem diante de um grande perigo, mas será que Harry correria se sua vida dependesse disso? 

Será que teria corrido dos agressores sem que Niall tivesse ordenado num berro?

Harry já é praticamente um homem e ainda depende dos outros dizendo o que ele deve fazer.

E pelo visto ele não vai conseguir aprender a cuidar de si mesmo ali. Não com Louis não orgulhando o apóstolo Paulo de Tarso e assumindo para si o cargo de anjo intercessor de tão frágil e imaturo garoto.

Sim, é claro, evidentemente Louis está em um estágio de vida e de religiosidade muito mais elevado que ele. Mas isto não é motivo para tratá-lo diferente de como trata o restante dos propedeutas. Não está certo. 

Harry está meio cansado disso.

Na verdade, ele teme que esse cuidado crie ainda mais complicações para si.

Sendo assim, já que é impossível pedir para Louis se conter sem ter que dar grandes explicações, após o colega ter ido o procurar na sala do Diretor Espiritual depois de um longo período sumido - o que foi a gota d’água -, Harry decide mudar de atitude com ele para, quem sabe, fazê-lo perceber que está extrapolando o limite.

Harry também o trata com secura pois está irritado pelo colega ter alarmado todos a sua ausência. O seminarista é obrigado a justificar tantas horas que passou sozinho na sala e por quase ter perdido a hora do jantar.

Óbvio que a verdade não seria dita. O rapaz ainda processava, ou melhor, ainda tenta processar o ocorrido numa digestão lenta, penosa. Portanto inventa uma desculpa qualquer. O que acaba não sendo tão fácil, afinal, além de não estar preparado para a constatação sofrida momentos atrás, não estava preparado para encarar esse comitê averiguador logo em seguida.

O que deveria ser um simples “estava tão concentrado na oração que nem notei a hora passar” soa atrapalhado. 

O rapaz usa mais palavras que o necessário. É repetitivo e informativo demais - o que levantaria suspeitas se estivesse diante de policiais, não é o caso, nem de longe, os ouvintes a quem presta conta não passam de jovens ingênuos -, antecipando indagações que porventura os colegas podem levantar de forma desregrada. 

Até mesmo convoca Mitch para dar sustança ao que diz. Como se o colega estivesse ao seu lado esse tempo todo. E também para mostrar a Louis que ali há quem o conheça melhor e que, por isso mesmo, nem se preocupa com ele. 

Por muito pouco ele não exclama: - Está vendo? É assim que se age nesses tipos de situações. Isso é que é atitude! Mas, em vez disso, o que você fez? Foi atrás de mim, como um bisbilhoteiro atrevido, ou um paranoico. Francamente. Que desagradável.

A realidade, porém, é que seria difícil afirmar como Harry procederia se Louis não tivesse ido o procurar. 

O chamado do colega forçou a alma do seminarista, que gravitava longe de si, a regressar ao corpo. Violenta e subitamente. Como se tivesse despertado de um apagão.

Foi como se num instante ele estivesse desmaiado com os pulmões inundados pela água que o afagou e, de repente, alguém tivesse o socorrido puxando-o de volta à vida, o ajudado a tossir para fora o que obstruía a respiração

Seu sangue congelado tornou a fluir pelo corpo enfraquecido pelas horas que passou ajoelhado, imóvel, sem água ou comida,  que quase não reclamava de dor. As pernas foram sentidas muito vagamente, e debilmente respondiam ao comando. Mas Harry conseguiu levantar num salto assustado. 

immaculate sin of the lovers • L.S.Onde histórias criam vida. Descubra agora