Novembro, 1997

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Prostrada à janela de braços cruzados, Hermione observou a figura totalmente vestida em negro, incluindo a capa que cobria o rosto e os indistinguíveis fios loiros, sair das sombras e atravessar à rua em direção ao n°. 12 da Grimmauld Place. Sustentava a típica postura superior em ombros totalmente retos, mas, se examinasse com mais atenção, podia captar a desconfiança do olhar redobrado em direção à tranquila vizinhança.

Esperava estar tensa para aquele momento, mas não tanto quanto realmente se sentia agora que chegara a hora - não sabia o que poderia resultar disso. A imprevisibilidade sempre fora seu maior obstáculo e, na verdade, por todo o último ano, tivera de respirar e lidar com o inesperado. Não a guerra que, oficialmente, eclodira há meses com a morte de Dumbledore e o fim do ano letivo, mas todo o resto, na verdade.

Percebeu que ainda demoraram alguns instantes para que a campainha soasse, impreterivelmente acordando o quadro de Walburga Black no corredor principal de sua antiga e, atualmente, mui descuidada Mansão. O ruído foi abafado por se encontrar no quarto andar, mas logo o silêncio tomou conta e, fechando os olhos ao respirar fundo, imaginou ter ouvido sussurros por trás da porta enquanto passos pesados subiam as escadas.

Os sussurros eram apenas sua mente, contudo, fantasiando o cenário daquela situação. Jamais haveria conversas entre eles, nem mesmo se o assunto fosse Hermione. Estar praticamente sozinha ali, no que antes fora o aposento de Regulus Black, contribuía também para a autoindulgência.

Tais pensamentos foram interrompidos com o soar dos dedos suaves contra a porta, que Hermione ainda o encarou por um instante em feições completamente críticas, antes de apontar a varinha e destrancar. O som dos ferrolhos e diversas trancas se abrindo soou pesadamente dentro do cômodo até que a maçaneta fosse girada e Molly empurrasse a porta com cuidado, procurando-a para dizer o que já sabia.

Sequer tentou sorrir em conforto para a conhecida e solícita senhora vestida em agasalhos simples, mas quentes pelo iminente inverno, pois ele se assomava logo atrás dela, mais magro e pálido do que se lembrava, já sem capuz chamando a atenção pela máscara impassível em sua direção. De alguma forma, Malfoy parecia mais alto do que há alguns meses, bem como ainda mais sério e tenso. Por isso, por momento, se perguntou se algo havia mudado tão proeminentemente em sua própria aparência.

- Vou deixá-los conversar... A sós.

Molly declarou ao correr o olhar de Malfoy a à ela e se retirar sem pestanejar. Ninguém entendia muito o que se passara entre eles, mas todos confiavam em Hermione, seu julgamento, sua capacidade de defesa e, principalmente, suas escolhas. À essa altura, não tinha certeza de muita coisa, apenas uma.

Finalmente, ele deixou o corredor e adentrou o quarto, se virando sem pressa para fechar a porta em um baque suave. Depois que o conhecera minimamente, passara a compreender que preferia a suavidade implacável ao estardalhaço infrutífero. Tanto quanto ela, ele amadurecera em certo grau.

Diferente do que Molly imaginava, não conversaram. Hermione não tinha o que dizer e Malfoy talvez não quisesse dizer nada. Da forma como ela enxergava, era uma situação delicada e destrutiva para ambos, a qual, agora, não envolvia apenas eles pessoalmente. A atenção dele fora diretamente para o canto esquerdo do quarto, onde o pesado berço de madeira antiga fora colocado e preparado com enxovais tão brancos, que aparentavam ser intocáveis.

Se forçando a se manter exatamente onde estava, apenas observou a interação inicialmente desconfiada, como se a realidade daquele quarto repleto de objetos infantis, inundado pelo aroma genérico de talco, não fosse de verdade. Para ele, ponderou, vestido naquelas roupas e sob a aura pesada da existência do outro lado da guerra, talvez o fosse realmente.

Prendendo a respiração, acompanhou o olhar de cima que Malfoy inicialmente lançou, as feições perfeitas completamente desprovidas de emoção analisando cada traço da pequena criança mergulhada em sono profundo, agasalhada no berço. Após horas observando-a durante madrugadas insones, decorara o ritual dos pequenos labiozinhos se abrindo e fechando preguiçosamente, assim como os pequenos dedos de unhas frágeis se esticando para o nada, aprendendo; e o suspiro que, de tempos em tempos, preenchia o quarto ocupado apenas por elas, aliviando-a, acalmando-a, tornando-a ainda mais vulnerável ao mundo lá fora e aquele tipo inesperado de amor a preenchendo a cada novo dia.

Nada disso, contudo, estava impregnado em Malfoy. E jamais estaria.

O viu engolir em seco e molhar os lábios, a postura finalmente cedendo nos dedos pressionando a lateral do berço até os nós ganharem uma tonalidade transparente e na forma como piscou, sem desviar o olhar da pequena criatura, que ganhava atenção tão facilmente.

- Ela não pode ser minha. – O tom dele foi baixo e o olhar distante. – Não pode ser uma Malfoy, você sabe. Não agora.

Quase pode ouvir, todavia, 'ela nunca será uma Malfoy'. Sim, Hermione sabia. O cenário era inteiramente complicado, não apenas com relação a eles, mas todo o resto. Havia uma guerra, na qual estavam em lados opostos, pela frente e o futuro era totalmente incerto. Mas de uma coisa tinha certeza, teria de deixá-la em segurança para lutar e a vitória não estava garantida.

- Não. Ela é minha. – A paternidade de sua filha não seria uma questão para discussões alheias, deixou claro, notando que isso praticamente tirava Malfoy da equação. A constatação a deixava... Anestesiada, de certa forma. Seria como se nada nunca houvesse ocorrido entre eles. – Você pode voltar a ser o covarde que sempre foi.

Ele franziu o cenho, também compreendendo o que queria dizer, e até abriu a boca para dizer algo, mas desistiu se voltando ao berço em um suspiro cansado, esmagando-a por dentro ao não resistir em levar um dos dedos trêmulos à face pequena e delicada. Então, o leve tremor não era apenas uma ilusão de sua mente arrasada.

Pela primeira vez, viu alguma suavidade nas feições alvas e nos olhos sempre ferinos, enfim esvaziados de qualquer malícia. Apenas poderia imaginar o que se passava na cabeça dele enquanto examinava a menina, mas notou quando os olhos marejaram e os lábios tremeram e soube: agora, Malfoy decorava, pois era tudo o que teria, ambos sabiam.

Olhando a cena, que certamente se gravava em sua mente de maneira permanente e sem permissão, não conseguiu conter o inevitável bolo formado em sua garganta e se afastou, mais próxima da janela do que deles. Por um ínfimo instante, teve vontade de tirar uma foto do peculiar quadro que Malfoy compunha ali, trajado de maneira completamente formal com a capa de viagem negra se arrastando pelo chão ao lado do berço infantil.

Entretanto, logo varreu a ideia de sua mente, pois aquele talvez pudesse ser o dia mais triste de sua vida e do que ela e Malfoy havia sido por um breve momento, que por ironia do destino se estenderia para sempre.

O pequeno e rotineiro suspiro dorminhoco preencheu o quarto e isso pareceu acordar o Sonserino de seu próprio transe, decidindo se afastar. Engolindo em seco, ele deu às costas ao berço de maneira pesada e incerta, como que processando o que estava fazendo e a própria escolha pelas expressões agora ainda mais fechadas.

Não a encarou, apenas se voltou à porta e teria simplesmente saído, se não parecesse repentinamente se lembrar de algo. Do bolso, o observou retirar uma pequena caixinha de veludo esverdeado, colocando sobre a pesada cômoda de madeira enquanto engolia sem seco.

- Dê a ela. – O tom foi mais grave que o anterior. – Quando achar que deve.

Ele levantou os olhos, deixando-a notar o tom de seriedade que havia no brilho atípico e quase quis rir ironicamente pela 'austera culpa da escolha mais fácil'. Porém, apenas concordou com um menear de cabeça e o viu abrir a porta no instante em que o suspiro infantil se transformou num gorgolejo e, depois, num claro resmungar que anteveria o choro.

Sob o portal da saída, Malfoy hesitou e, por um momento, desejou conferir o que estava em seus olhos ante o indescritível som. Sem que pudesse se impedir, deliberadamente esperou acompanhando os ombros tensos, a respiração lenta e a cabeça baixa, quase que desesperadamente ansiando que aquilo o perseguisse enquanto vivesse, como sabia que aquela noite a perseguiria e definiria sua vida.

Então, o choro se tornou mais alto e após meio segundo ele bateu a porta e se foi, a fazendo tremer por dentro. Enxugando uma lágrima teimosa, Hermione se dirigiu ao berço e a tomou contra si, acalentando o pequeno bebê de pele não tão alva, mas olhos perturbadoramente acinzentados, os quais Malfoy não tivera a chance de decorar. 

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⏰ Last updated: Mar 27, 2023 ⏰

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Novembro, 1997Where stories live. Discover now