Ensaio sobre Defeitos

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Até cortar os próprios defeitos é perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta o edifício inteiro. - Clarice Lispector

Observar Hermione Granger sempre fora um passatempo para Draco Malfoy. No início, não passava de uma desculpa para analisá-la em busca de defeitos e... Merlim, Hermione Granger era cheia de defeitos! Não que ele não tivesse seus próprios esqueletos escondidos no fundo do armário, sabia muito bem que sua personalidade não era das melhores. Então, depois de anos aperfeiçoando a arte de observar Granger, percebeu, com surpresa e uma dose de desgosto, que se pareciam.

Arrogância, orgulho, petulância. Granger era a pessoa com quem Draco mais se identificava naquela escola por que, apesar de serem diferentes em todos os aspectos, possuíam os mesmos defeitos. Defeitos que marcavam, que eram pontos fortes em suas personalidades distintas. Todos repudiavam Draco por sua arrogância, orgulho e petulância e todos criticavam Granger por sua arrogância, orgulho e petulância, não necessariamente nessa ordem. Até Potter e Weasley o faziam!

Porém, Hermione Granger não era apenas defeitos. Ela era boa, o que entrava em contradição com tudo que Draco já construíra em sua mente sobre ela. Sangue-ruim, sabe-tudo, rata-de-biblioteca, buscara muitos adjetivos inúteis para a garota de cabelos cheios na ânsia de saciar seus medos de que ela fosse melhor, apesar de seus defeitos idênticos. Mais tarde, percebera, fora tudo em vão. Sua incansável tentativa de provar a imperfeição de Granger - nem que fosse para si, já que todos naquela escola acreditavam fielmente na perfeição da mesma - fora completamente vã.

Granger era boa e Draco, mesmo possuindo os mesmos defeitos que ela, era mau. E isso fazia com que a odiasse ainda mais. A odiou por seu sangue, a odiou por sua inteligência desmedida, a odiou por seus defeitos, mas, acima de tudo, a odiou por que ela era boa. Não boa como Harry Potter - por que pra ser o mocinho da história não é necessário ser, realmente, bom e Potter jamais o seria -, boa por que fazia parte de sua essência.

Era da natureza de Granger ajudar os injustiçados, proteger os indefesos, não cobrar nada por fazê-lo. Inúmeras vezes presenciara Granger auxiliando alunos mais novos em deveres ou apenas fazendo um favor a algum amigo. E Draco detestava os "amigos" de Granger. Tanto quanto ele, estes sabiam da qualidade de Granger e se aproveitavam disso. Ronald Weasley que um dia lhe pagasse!

Por tudo isso, quando a bondade de Granger se fez presente diante de Draco, ele não soube como agir. Inicialmente, achou que a havia desprezado sem piedade quando ela se aproximou por que detestava aquela qualidade nela, especialmente nela. Mais tarde, simplesmente, chegou à conclusão de que não soubera proceder com Granger sendo boa para ele. Estava tão acostumado aos defeitos da garota que não se preparara para lidar com sua bondade. A bondade espontânea que sempre esteve presente e Draco se negou a dedicar atenção.

Era sua última chance de observá-la, constatou encarando a grande entrada do Salão, e essa sensação criara um bolo estranhamente inquieto em seu estômago. Granger era arrogante, orgulhosa e petulante, mas também boa, inteligente e - Draco custara admitir isso para si mesmo - linda. Sete anos depois de conhecer a garota de cabelos indomáveis e nariz empinado, seus cabelos estavam domados e seu nariz continuava empinado. Algumas coisas nunca mudam.

Ela adentrou o Salão atraindo todos os olhares. Hermione Granger, a heroína de guerra, melhor amiga de Harry Potter. Mestre na arte de observá-la, Draco percebia que a garota - quase mulher - tentava esconder o desconforto por ser a dona de todos os olhares da festa. Porém, Draco via seu rosto levemente corado, o sorriso contido brincando nos lábios vermelhos, os olhos na busca - quase desesperada - de encontrar um rosto conhecido.

Draco detestou Granger e detestou, principalmente, Weasley quando ele a abraçou, os dedos tocando com intimidade a cintura delineada, a boca perto demais da dela. Granger afastou-se e cumprimentou Potter, menos entusiasmadamente, alimentando os comentários. Ela parecia desconfortável, ao contrário de seus acompanhantes.

Viu quando ela olhou ao redor, ignorando completamente a conversa da roda de amigos, parecendo já sentir saudades daquele castelo, das paredes antigas e frias, do salão com teto encantado, dos jardins bem cuidados. Soltou um riso de canto. Era tão previsível, tão Granger e considerou tão patético! Era mais uma prova de que eram diferentes, apesar dos defeitos, pois Draco jamais sentiria falta de Hogwarts ou dos tempos de infância mal aproveitada.

Um gole de uísque. Granger rodopiava na pista de dança com um grifinório qualquer, Astoria Greengrass e Pansy Parkinson pareciam competir na tentativa de chamar sua atenção, o que Draco fazia questão de desprezar friamente. Como sempre, se cansara - talvez cedo demais - de seus brinquedos.

Fechou os olhos, deliciando-se com outro gole do líquido âmbar que descia queimando sua garganta de forma prazerosa e achou uma boa coisa, pois assim encontrara algo para se concentrar, além da presença inquietante de Granger. Tinha consciência de que a havia observado durante toda a festa e que fora uma inconveniência, pois obviamente ela havia percebido seus olhares. Outro fato sobre Hermione Granger: ela era irritantemente esperta.

Abriu os olhos. Granger agarrada a Ronald Weasley. Piscou, constatando que já estava tonto e que bebera demais. Granger beijando Weasley ali, na frente de todos, fez com que uma careta involuntária surgisse em seu rosto. Draco levantou-se, pois a festa terminara para ele, assim como sua última chance de observá-la - de maneira um tanto quanto revoltante, pois, de todas as suas memórias sobre Hermione Granger, aquela última seria a mais marcante. Dentre todos, ela jamais deveria ter escolhido Ronald Weasley e, para Draco, esse era seu maior defeito.

Ensaio sobre DefeitosWhere stories live. Discover now