A morte inevitável

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-----POV-Douglas-----

A sala do hospital era ampla e bem iluminada, com diversos leitos alinhados e equipamentos médicos dispostos estrategicamente ao redor. O ambiente, ainda que silencioso, transmitia um clima de intensa atividade e cuidado, denotando a constante atenção da equipe de saúde aos pacientes ali internados.

Douglas encontrava-se assentado ao lado da maca ocupada por Henrique.

Douglas e Henrique, companheiros de vida desde a infância, haviam compartilhado as tristezas da doença por mais de 40 anos. Agora, na casa dos oitenta, o peso dos anos se fazia presente em suas rugas e cabelos grisalhos. Contudo, mesmo tendo enfrentado essa terrível doença juntos por tanto tempo, sua amizade permaneceu inabalável e continua ardente até os dias de hoje.

O olhar atento de Douglas sobre o amigo debilitado expressava profunda admiração por sua força de vontade em enfrentar as adversidades impostas pela condição física debilitante.

Douglas, que havia aprendido a língua de sinais ao longo dos anos, compartilhou seu conhecimento com Henrique, permitindo que ambos se comunicassem por meio dessa linguagem mesmo após a progressão da condição debilitante de Henrique.

No entanto, com a perda gradual dos movimentos do corpo, Henrique ficou impossibilitado de continuar utilizando a língua de sinais, o que representou uma grande perda para ambos os amigos.

A doença que o acometeu atingiu um estágio tão avançado que o deixou completamente imóvel, incapaz de mover qualquer parte do corpo além da cabeça, do rosto e dos olhos, que agora se transformaram em janelas preciosas através das quais ele observa a vida.

Com um olhar contemplativo, Douglas dirige sua atenção para Henrique:

Douglas(lingua de sinais):
"Conversei com os médicos e eles disseram que você pode voltar para casa em breve, Henrique."

Henrique:
"(movendo apenas os olhos e a cabeça)"

Douglas(língua de sinais):
"Você precisa de cuidados especiais, mas você esta estável há um tempo...

Henrique:
(com um olhar esperançoso)

Douglas(língua de sinais):
...A equipe médica disse que você pode receber tratamento domiciliar"

Douglas(língua de sinais):
"Os médicos disseram que você pode ficar em minha casa e cuidar da sua saúde com ajuda de enfermeiros e equipamentos especiais. Isso vai te ajudar a não piorar nos próximos anos."

Douglas (língua de sinais):
"Da próxima vez que eu te ver vai ser em minha casa na cama do quarto de hóspedes."

Henrique:
(com um sorriso otimista)

Douglas fixou o olhar em Henrique por um instante mais longo, como se quisesse gravar em sua memória aquele momento.

Um sorriso brotou em seu rosto e, sem conseguir conter a emoção, ele respirou fundo antes de virar as costas e deixar a sala.

Por trás de sua expressão serena, Douglas guardava a certeza de que, apesar dos desafios, ele e Henrique sempre teriam um lugar especial um na vida do outro.

-----POV-Henrique-----

Henrique sentiu um turbilhão de emoções ao ouvir as palavras de Douglas.

Finalmente, após tantos dias solitários naquela maca, ele teria a chance de passar mais tempo ao lado de seu amigo. As horas pareciam menos vazias e a perspectiva de ter companhia era uma bênção.

Henrique sentiu um alívio profundo em seu coração, sabendo que não precisaria mais suportar a solidão que o acompanhava dia após dia naquela instituição de saúde.

Henrique desviou o olhar por um instante e contemplou a janela com cortinas brancas, pelas quais o sol adentrava o quarto.

A claridade inundou o ambiente, iluminando cada canto daquele espaço que por tanto tempo lhe foi familiar. E, naquele momento, Henrique sentiu uma paz profunda invadir seu ser, como se a luz que adentrava pela janela trouxesse consigo a esperança de dias melhores e a promessa de dias mais luminosos.

Deitado naquela cama de hospital, sentindo a brisa suave que entrava pela janela entreaberta, Henrique lutava contra o tédio que se instalara na rotina de sua vida.

Então, ao sentir os raios de sol acariciando seu rosto e aquecendo seu corpo, decidiu que seria um bom momento para mergulhar em um sono profundo, um refúgio momentâneo para sua mente cansada que, por alguns instantes, poderia esquecer-se da dor e do sofrimento que o acompanhavam há tanto tempo.

Enquanto descansava naquela maca, com os olhos fechados e a respiração calma, sentia uma tranquilidade profunda, fruto da certeza de que em breve sairá dali e ficará pronto para seguir adiante sua vida com seu amigo.

Ao despertar em meio à noite, Henrique experimentou as dores costumeiras que sentia por todo o corpo, contudo, percebeu que a intensidade delas havia se agravado consideravelmente, então fechou seu olhos e serrou os dentes.

Essa dor era algo inesperado.

A intensidade da dor o lembra do início da sua doença, algo realmente traumatizante. O trauma de passar muito tempo deitado em uma maca, sozinho e imóvel, ressurge em sua memória.

Seu amigo o visitava todas as semanas, mas a maior parte dos anos em que esteve no hospital foi vivida sozinho, sem companhia além dos profissionais de saúde que cuidavam dele.

O medo preenche o ser de Henrique, o pavor o fez gritar por socorro, mas sua voz não saía, o que o deixou em desespero.

Henrique sabia que sua hora havia chegado.

Aquele suspiro poderia ser o seu último. Ele fechou os olhos mais fortemente, esperando pela morte. Mas, de repente, sentiu uma forte pressão em seu peito.

Ele estava perplexo, pois sua doença jamais havia causado qualquer problema cardíaco.

Mas pensando bem sua condição sempre foi restrita aos seus sentidos e músculos, então era só questão de tempo até chegar ao coração.

Ele tentou respirar, mas algo estava impedindo.

O pulmão de Henrique parecia prestes a desistir, mostrando sinais de cansaço e fragilidade.

Henrique abriu os olhos e viu os médicos que estavam de plantão tentando salvá-lo, mas era tarde demais.

Ali morreu nos seus 83 anos.

Quando percebeu sua morte, ele finalmente encontrou alívio da dor que o assolou por tanto tempo.

Ele se viu flutuando em um espaço vazio e escuro. Parecia que não havia nada ali, além dele mesmo. Henrique tentou mexer o braço, mas não havia mais braços. Nem pernas. Nem mesmo seu corpo. Era como se tivesse sido reduzido a uma essência, sem forma nem substância.

O breu ao seu redor foi interrompido por uma chuva repentina, as gotas frias e molhadas respingando em sua pele como pequenos dedos inquietos.

Ao abrir os olhos, Henrique se viu rodeado por uma floresta densa e misteriosa, ele olhou para seu corpo e em seguida para suas mãos. Quando notou algo surpreendente: a doença que havia limitado seus movimentos havia desaparecido completamente, e escutava claramente o cair da chuva.

Seu choro de alegria se misturou com a chuva forte que caía, ele percebeu que estava finalmente livre para viver plenamente.

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Novamente me perdoe

Este capítulo, ao contrário do anterior, é notavelmente mais curto, uma vez que seu único propósito é narrar a morte do protagonista e sua viagem para um outro mundo.

Mesmo com esse imprevisto, sou grato por compartilhar minha história com você. Espero que você tenha encontrado valor e significado nas palavras que escrevi e aguardo ansiosamente seu retorno para o próximo capítulo.

Att:Yoyomata

Ascalon: Um Outro MundoWhere stories live. Discover now