O ESPELHO DE UM HOMEM SEM FACE

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Terça feira, 10 de janeiro de 2023.

O sol entrava pela minha janela e iluminava uma parte de meu quarto, despertei, minha boca estava seca, meus olhos levemente irritados, uma leve sensação arenosa neles, como se houvessem pequenos grãos irritando-os, meu corpo rígido, porém descansado, o silencio imperava, sento na minha cama, olho ao redor, tudo parece igual, a disposição dos móveis é a mesma, à minha direita, o guarda roupas meio aberto, roupas escapam pela fresta aberta na porta, sei o caos que reside lá dentro, mas não tenho vontade de resolvê-lo, do meu lado, meu criado mudo, encima dele, meu celular, a barra de notificações tão caóticas quanto meu guarda roupa, mas outra vez, não tenho vontade de atender a elas, observo algo diferente, uma marca de copo, como uma mancha encima do tampo laminado do criado mudo, penso comigo "isso é novo, mas porque novo?", passo meus dedos por ela até desistir de achar uma explicação, como os outros dias, já deixei te tentar entende-los a muito tempo, todos os dias eu acordo, me levanto, tomo um banho, fumo um cigarro e saio para meus afazeres diários, hoje não é diferente.

A água toca o meu corpo, é reconfortante, um dos poucos momentos do dia em que sou capaz de realmente sentir algo, realmente aproveitar algo, a agua no meu rosto me dá a sensação da chuva, saio do banho e me direciono ao espelho, talvez essa seja a parte mais confusa de meus dias, me olho, observo os detalhes do meu rosto, mas sinto um incomodo grande, aquele incomodo de observar algo que não deveria ser observado, será que esse sou eu, assim que as pessoas me veem e sempre me viram? A cada dia é como se uma parte do meu rosto estivesse fora do lugar, desfigurado, como se esse rosto não fosse meu, e realmente, esse rosto é meu? Esse sou eu? O que eu sou? Esses questionamentos apenas me deixam angustiado, ansioso, desisto mais uma vez de encontrar respostas.

Dezesseis passos, esses são passos necessários para chegar do meu banheiro até a varanda, abro a porta, o ar inunda meus pulmões, ouço o som de alguns pássaros que cantam, mas não os vejo, como se tocasse um playback matutino, todas as manhãs, todos dias, em todos os climas, sempre da mesma forma, seriam pardais? Seriam canários? Ou então pombas-rolas? Não sei diferenciar, é um paradigma que não me dignifico a tentar decifrar no momento, sento-me na mesma cadeira de todos os dias, abro meu maço de cigarros e seleciono um, posiciono entre meus lábios e o acendo, o primeiro trago desce seco, como uma notícia ruim, meus pulmões e garganta ardem, volto a me questionar, eu realmente gosto disso? Ou é apenas uma forma de eu sentir algo? Não sei dizer, são longos minutos reflexivos, quinze minutos nos quais repenso meu dia, e reflexiono sobre as minhas escolhas e suas inevitáveis consequências, a luz do sol bate em minha pele enquanto a leve brisa da manhã acaricia o meu rosto, ou melhor, o rosto que questiono se é realmente meu, quando me dou conta a brasa quase encosta em meus dedos, sinto seu calor, está na hora de reagir ao dia.

Não trabalho muito longe de casa, muito menos desempenho uma função tão essencial, se hoje eu não aparecesse provavelmente não sentiriam a minha falta e caso sentissem, facilmente delegariam as minhas funções, ou as funções que pensam ser minhas à outra pessoa, minha mesa está sempre disposta de frente pra parede, minhas coisas, sempre dispostas da mesma forma, mas algo está diferente, uma de minhas gavetas está entreaberta, mas não lembro de ter deixado ela assim ontem, será que alguém mexeu nela? Devo abrir e olhar? E se dentro tiver algo que eu não quero ver, algo que que eu tenha medo de lidar, algo que possa me machucar, são tantas hipóteses, nesse caso prefiro tratar essa gaveta da mesma forma que o gato de Schroedinger, não abrirei para não me assolar com a verdade cruel, porém minha mente não se aquieta pensando nas hipóteses do que há dentro dela, não vou pensar muito, não vou teorizar sobre isso, tenho trabalho à fazer, tenho coisas a resolver, coisas muito mais importantes do que simplesmente ver o que há ou não nessa gaveta.

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