1 - O início do inverno

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Os destroços do meu passado continuam me assombrando

Isso não me deixará em paz

Ozzy Osbourne – Road to Nowhere

Dois anos depois

Hashirama se sentou em uma poltrona confortável no meio de sua sala silenciosa e se pôs a pensar. Em suas mãos havia uma caneca com chocolate quente que mais lhe aquecia os dedos, pois não era o foco de sua atenção. Enquanto estivesse agradável ao paladar, tudo bem. Senão seria apenas algo a ser deixado de lado, e eventualmente descartado.

Um abajur próximo a poltrona era a única fonte de iluminação, uma luz de tom amarelado forte que lhe dava um ar quase assustador, capaz de causar uma forte impressão a quem pudesse encontrá-lo daquela maneira. Mas por sorte Hashirama estaria sozinho naquela noite, ainda que seus pensamentos fossem barulhentos como uma multidão e o contato de sua mãe e irmão fossem os mesmos, apesar do tempo passado.

Os olhos cansados se perdiam na sombra feita sobre o tapete felpudo que agraciava seus pés enquanto ele se recordava dos acontecimentos daquele ano que ia se encaminhando para encerrar outro ciclo. Apenas o vislumbre de que o ano estava acabando era suficiente para que uma tranca em sua mente fosse aberta e ele tomado por mais lembranças do que seu coração dolorido era capaz de suportar.

Aquele era o ano em que havia se formado. Era oficialmente um médico com o objetivo de se especializar em neurologia, e se pudesse seguir seus próprios sonhos seria neurocirurgião em algum momento de sua carreira, ainda que por poucos instantes.

Um dia estes foram seus planos, antes mesmo de adentrar a faculdade. E apesar de não ter desistido deles, os colocou em segundo plano. Precisava continuar por quem estava a seu lado.

Por conta disso ao que parecia a neurocirurgia não era algo que estava reservado para seu destino. E como tal que parecia acontecer a seu redor naquele momento, aquelas lembranças voltaram com força. E mais uma vez o atormentaram.

...

- Hashirama!

O grito estridente veio pelas costas do agora recém-formado médico. Ele se virou a tempo de ver a amiga correndo em sua direção, seguida mais atrás pelo outro que ajudava a formar o trio que passara todos aqueles anos dividindo as salas de aula, e confidenciando seus sonhos entre uma matéria e outra, confortando quando o cansaço era demais.

- Kaoru. – Ele conseguiu sorrir um pouco que fosse, e a abraçou de maneira desajeitada. – Você está bonita com esse vestido verde.

- Adoro o seu jeito de não saber elogiar uma garota – Ela sorriu e então acarinhou o rosto do amigo, confidenciando um sentimento junto a Hashirama. Sabia que ele não estava feliz, mas ao mesmo tempo tentava fazê-lo perceber que era seu direito estar ali. – Essa noite é toda sua. Para se lembrar de onde conseguiu chegar com todo esforço e resiliência.

Ele sabia que sim, mas naquela noite não conseguiu sorrir.

Sua mãe e irmão mais novo observavam ao longe, e também sentiram muito.

...

Hashirama deu um gole suave no chocolate agora morno, e o toque suave de um pequeno marshmallow lhe chamou momentaneamente a atenção, quase resultando em um sorriso. Anteriormente ele era alguém que o fazia com tanta facilidade, que parecia que nenhuma força no mundo seria capaz de lhe tirar a serenidade, mas agora não mais. Foi graças a Kaoru que aprendeu a colocar aquelas coisas doces extras em seu cardápio mesmo não sendo um grande apreciador.

Viktor, o amigo baixinho entre os três, certamente tinha se dado melhor com os pedaços macios e branquinhos de doce que boiavam sobre o chocolate, apaixonado por açúcar como o era. Hashirama até tentou levar um deles a boca, mas não se surpreendeu ao perceber que lhe pareciam amargos, destoando com o doce do chocolate.

IncompleteWhere stories live. Discover now