2. O primeiro dia de aula 🏫

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Quando completei seis anos, fui matriculada na primeira série do ensino fundamental. Imaginava a escolinha como sendo um playground gigante em que todo mundo brincava com todo mundo, onde eu faria muitos amigos para compartilhar sonhos e aventuras. Falou a iludida!

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Recordo-me de ter acordado tão alegre que mal via a hora de juntar-me aos futuros amiguinhos. Alguns pequenos choravam em frente ao portão, outros recusavam-se a descer do carro e eu me sentia super adulta, chorar daquele jeito parecia coisa de criança. Isso, claro, até reparar que o cinza era a cor predominante daqueles blocos, havia calçadas quebradas, muros pichados, a quadra de esporte sucateada, sem falar nos grandões mal-encarados que estavam por toda a parte.

De todas as decepções, a pior: o parquinho estava fechado com cadeado. Que tristeza!

Meire procurou meu nome em uma das quatro listas de ensalamento coladas na parede e depois disso caminhamos até onde as pessoas da minha turma formavam uma fila indiana (meninas de um lado, meninos de outro). Por mais estranho que pudesse ser, vi a troglodita fungando um pouco para disfarçar as lágrimas e gradualmente se afastar sem se despedir de mim.

Imaginei a professora, uma moça de cabelos longos, presos em uma linda trança que caía pelos ombros, que gostava de usar vestidos de estampas alegres e tinha uma paciência enorme com crianças, até com as mais intragáveis, escandalosas e mimadas. A voz dela era tão suave que o pranto por ralar o joelho faria até o mertiolate não arder tanto.

O som estridente do sinal interrompeu os devaneios e logo pude ver uma mulher corpulenta, mal-encarada e mal-humorada aproximar-se da turma. Antes disso, já havia uma menina ruiva cutucando a amiguinha loira para tirar sarro de mim. O motivo, eu desconhecia.

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A situação não melhorou no segundo dia, nem no terceiro. O mapeamento da turma, feito com base na ordem da chamada nominal, assegurou algum fôlego por não me sentar tão próxima à Cassia Reis, a tal menina ruiva que já não foi com a minha cara. Ela esticava as pernas para eu tropeçar, pregava peças tão somente para ver a professora Dulce brigar comigo. Todos os esforços para ser amigável, assertiva e gentil não surtiam efeito nenhum.

Cássia Reis andava com mais três garotas, todas elas "patricinhas" e de beleza padrãozinho. Bruna era a melhor amiga dela, loira de olhos azuis, queria ser médica quando crescesse. Camila tinha o cabelo castanho-claro e olhos verdes, o pai era dono de uma pizzaria e, por fim, Nicole, loira de olhos castanho-claros, filha da dona do salão mais badalado do bairro. Embora Bruna também tenha sido mentora de muitos dos episódios violentos do primário, a personagem mais importante é a líder do grupo.

O quarteto lanchava na escadaria do bloco da nossa turma, onde ficavam também todas as outras do primário. Uma toalha felpuda cor-de-rosa estendia-se sobre o piso de cimento polido e dispostas estavam as lancheiras repletas de adesivos, bolinhos recheados, biscoitos, sucos e salgadinhos.

Uma vez foi o suficiente. Eu era persona non grata porque, quando me aproximei delas, ainda nos primeiros dias de aula, Cássia olhou de esguelha para Bruna, que cochichou no ouvido de Camila e somente um minuto depois, encontrava-me sozinha, com um grande ponto de interrogação na cara.

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Antes fosse não ser querida só pelas patricinhas, o negócio era muito mais sério. Nem as crianças que não tinham panelinhas queriam falar comigo, era só eu chegar que todo mundo saía de perto. Dulce me olhava com desprezo e também abria precedentes para fomentar ainda mais ódio nos outros, chamava-me de antipática e mimada. Ela não falava, gritava, humilhava, sentia a necessidade de magoar de graça e ainda dizer que eu não "aceitava" brincadeiras.

Periodicamente, a Prof.ª Dulce convocava uma reunião com os pais e/ou responsáveis de todos os alunos visando fazer um balanço das nossas atividades em classe. A primeira ocorreu em abril. Fui definida como o "estorvo", a menina atrasada que se achava superior demais para falar com as outras crianças (sendo que era bem o contrário), desinteressada, embora admitisse que eu era preguiçosa porque ela sabia que eu sabia a matéria. Não é uma mentira de todo. Eu já era alfabetizada e sabia fazer contas de soma e subtração, queria aprender outras coisas, logo, estava entediada.

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Quando voltamos para casa, mamãe arrastou-me até o banheiro, ligou o chuveiro e bateu em mim com tanta fúria, parando somente quando caí no chão, ameaçando me matar se por acaso recebesse uma só reclamação da professora na reunião seguinte e "passasse vergonha" por minha causa.

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Mal sabia eu que o inferno estava apenas no início porque Cássia Reis e as amigas viram Meire me conduzir até o carro à base de puxão de orelha e chutes, contudo, os apelidos maldosos se renovavam e a criatividade daquelas crianças era grande.

As notas aumentaram, Dulce passou a me elogiar e, em contrapartida, eu não tinha nenhum amigo. Meus recreios eram bastante solitários, posto que era agredida pelos "grandões", pelo quarteto de Cássia, excluída das festinhas, porém orgulhava minha mãe, que bradava com prazer o êxito do seu "método educacional".


Aviso: Esta é uma obra de ficção

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Aviso: Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, empresas, locais, eventos e incidentes são produtos da imaginação do autor ou usados de forma fictícia. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, ou com eventos reais é pura coincidência.

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