Yellow.

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Enquanto descia lentamente a escada de sua casa contando degrau por degrau, Wandinha escutou vozes alteradas vindo da cozinha e aperta firmemente o corrimão receosa de continuar seguindo o seu caminho. A garota respirou fundo e tomou coragem indo em direção as vozes que estavam mais escutáveis cada vez que se aproximava; ao chegar perto se assustou ao notar que estava presenciando uma discussão de seus pais que rapidamente pararam ao perceber a presença da menina. Sua mãe foi em sua direção com um sorriso forçado a recebendo com um abraço, em seguida a levou até uma cadeira enquanto se posicionava ao lado de seu marido. A menina permaneceu calada encarando os dois a sua frente.

— Não percebemos que tinha acordado, eu e seu pai... bom, estávamos discutindo sobre o seu futuro. - encara seu marido como se pedisse pra que ele prosseguisse com sua fala.
— A tempos eu gostaria que você fosse matriculada na Dwight School. Como seu pai, eu quero que você tenha amigos; se divirta; conheça novas pessoas; conviva com pessoas da sua idade e tenha uma noção de como é importante mudanças na sua vida e na sua rotina. - abaixa na altura do joelho de Wandinha segurando sua mão. - Se você não gostar, se você não se sentir confortável ou se você simplesmente não querer, nós vamos respeitar sua decisão. Nós queremos que você se permita tentar, sabemos que sua paixão é artes. - ao escutar isso Wandinha se mexe na cadeira e olha pra cima em direção à sua mãe com seus olhos brilhando.
— Querida, eu sempre me negava a concordar e achava essa ideia um absurdo. Mas se formos analisar você estaria... - Wandinha na mesma hora se levanta e respira fundo enquanto parecia formular as palavras na sua mente com todo cuidado.
— Wandinha quer escola e amigos. - encara seus pais que a olhavam emocionados.

Após sua decisão, sua mãe saiu acompanhado de seu pai para fazer sua matrícula e comprar os materiais necessários, incluindo variedades de tintas; quadros e pincéis. Wandinha estava sozinha em sua casa e resolveu tirar aquele tempo de puro silêncio para tentar pintar, era o momento perfeito sem o barulho exagerado do seu irmão correndo com brinquedos e sem os seus pais. Tentou várias vezes, bebia água e se posicionava a tela novamente contando até 5 para se acalmar e focar porém sempre borrava ou fazia uma linha torta que não estava nos seus planos; frustrada por não conseguir nenhum resultado atirou o pincel na parede branca de seu quarto fazendo com que manchas pretas ficassem em destaque. Ela olhava pela janela de seu quarto o movimento da rua, fazia cerca de 20 minutos que estava parada torcendo para que algo - ou talvez alguém específico - aparecesse na sua vista. Duas semanas haviam se passado desde o ocorrido com aquele garoto de cabelos longos e desde então ela não tinha o visto mas isso não importava pra ela, certo... sequer o conhecia.
Resolveu sair dali e foi em direção ao espelho se encarando. Passou a mão pelas suas trancinhas que usava desde que se entendia por gente, ela não era acostumada a usar o cabelo solto gostava dele do jeito que sempre usou; levou sua mão a suas bochechas e depois ao seu nariz que era decorado por sardinhas, ela achava aquilo estanho mas preferia não usar nada para tampá-las. Enquanto reparava em todos os detalhes de seu rosto, escutou alguém batendo na porta principal de sua casa e rapidamente se levantou assustada. Não eram seus pais, eles tinham chaves e estavam de carro ou seja ela escutaria o barulho da garagem; mas por outro lado poderia ser seu irmão que havia saído para atrapalhar a vida de outras crianças na vizinhança com seu jeito intrometido e insuportável; Wandinha detestava o fato dele sempre estar sujo de chocolate. Analisando a situação e percebendo que ela teria de qualquer forma lidar com aquilo e atender, resolveu olhar pela janela de seu quarto e não poderia acreditar no que estava vendo. Era o garoto daquela noite, os cabelos loiros que a fazia lembrar da cor amarela estavam presos enquanto ele segurava vários papéis em seu braço direito. Ela pensou bastante, estava nervosa e eufórica mas não tinha noção desses sentimentos e do que eles significavam. Respirou fundo e desceu as escadas enquanto a cada degrau mais perto da porta ela apertava ainda mais o corrimão. Wandinha sem saber que durante o tempo que tomava coragem pra descer o garoto havia se encostado na porta pela demora, abriu a porta de uma só vez sem hesitar fazendo com que o coitado tropeçasse. Enquanto ele estava aparentemente surpreso, a garota continuou com sua cara sem expressão esperando que ele se recuperasse do susto e dissesse logo o que fazia ali.
— Caramba, que susto! - ele diz se acalmando . - Espera, você não é a menina da janela? - parecia confuso enquanto o olhar de Wandinha permanecia o mesmo, frio. Ao perceber que a menina não falaria nada, ficou desconfortável, ela encarava até demais. - É... eu vim... o jornal, eu entrego jornais. - gaguejou enquanto tentava tirar um jornal dos vários outros que estavam em seu braço.

Por algum azar do destino - ou talvez sorte que ainda não era reconhecida por ambos - ele deixa todos os jornais que estavam embrulhados caírem ao chão e vários deles atingem o pé de Wandinha que se assusta e dá um pulo pra trás. Xavier esperava que a garota o ajudasse a juntar, mas pelo contrário, ela apenas o encarava ajoelhado a sua frente suspirando pesado enquanto juntava um por um. Ao terminar, Xavier se levantou já entregando um jornal para a menina que o encarou por segundos mas aceitou.

— Sou o Thorpe, Xavier Thorpe.. - estendeu sua mão mas a garota se manteve quieta apenas olhando em seus olhos. - Ok, você não é muito de conversar, entendi. - Ele recolheu sua mão e olhou para o lado sem graça.
Wandinha o olhou e sentiu um certo remorso. Ela queria falar com ele, ela queria apertar sua mão e queria também ter o ajudado. Ele era a primeira pessoa fora de sua família que ela estava tendo um contato direto, era algo novo que a fazia sentir coisas diferentes r inexplicáveis.
Ela apertava com seus dedos a beirada de sua blusa completamente nervosa mas disposta a falar com ele quando percebeu que o garoto à sua frente parecia ter desistido e estava se preparando pra se retirar.
Era agora. Tinha que ser. Ela fechou seus olhos e rezou pra que ele não a achasse ridícula.
— Wandinha pede desculpas por... por n-não ter o ajudado. - diz abrindo os olhos ao finalizar sua fala.

Xavier que estava sem saber como agir diante a figura misteriosa e quieta, tomou a decisão de sair de lá o mais rápido pois se sentia envergonhado perto dela, ela realmente o intimidava. Estava prestes a se despedir quando nota ela fechando os olhos e estranhou, mas suavizou sua expressão após perceber que ela estava o pedindo desculpas pela atitude de minutos atrás. Ao terminar de falar ele observa ela abrindo os olhos, com suas bochechas levemente coradas, seus olhos escuros que pareciam espantados e ela parecendo uma mistura de nervosismo com timidez. Linda. Como ele nunca tinha visto ela na vizinhança ou em sua escola?

— Wow. Eu não esperava, cara. Eu realmente estou aliviado achei que não tivesse gostado de mim ou que sei lá, eu talvez tivesse feito algo de errado, caramba. Espera... você se referiu como 'Wandinha'. Então seu nome é esse? - Ele parou confuso. O coitado dizia tudo de uma só vez, genuinamente, confundindo a cabeça da menina que só sabia o encarar. Wandinha achou fofo a forma que ele olhava pra baixo e para os lados e depois retornava seu olhar à ela enquanto falava, completamente tímido.
— É... sim, sim. Wandinha Addams se chama Wandinha. - ela concluiu enquanto apertava o jornal em seus braços completamente nervosa, feliz e orgulhosa por estar falando com alguém.
Addams. Wandinha Addams. Diferente... - Ele descansou sua cabeça pro lado enquanto a encarava, fazendo com que seus cabelos loiros se desprendessem do coque e caíssem ao seu redor. Wandinha notou o amarelo brilhoso que se destacava naquele momento. A menina foi despertada de seu transe quando o garoto a sua frente se assustou ao olhar seu relógio, ele havia perdido muito tempo ali e ainda teria que terminar de distribuir jornais pelo resto da vizinhança.

— Tenho que ir, Wandinha. Até mais, a gente se vê por aí, talvez através de sua janela. - Ele sorri tímido enquanto pegava seu rumo e deixava a garota ali o vendo partir.

Gostaram da primeira interação oficial entre os dois? Perdão pela demora.

Wandinha e Xavier -  AutismoWhere stories live. Discover now