completar o gênio

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O futebol é estranho: é uma coisa que só existe para que o enxerguemos, e fora do campo, caprichosamente opaco. Na realidade, passamos uma grande quantidade de horas da nossa vida analisando a esses senhores, a respeito dos quais não sabemos nada: nada além do que fazem com os pés e muito pouco com a cabeça. A respeito de Messi, menos ainda. Messi sempre foi um mistério: o mistério mais conhecido do planeta.
Messi já está há mais de quinze anos debaixo de intensos holofotes: desde que completou seus 18 anos, milhões de pessoas o acompanham sem parar. No entanto, ainda não sabemos quem ele é.
Messi são fatos, não palavras. Como tentaria explicar algum político: não olhem para o que eu falo; olhem para o que faço. O que ele faz — o que fez — é absolutamente extraordinário: acredito que ninguém jogou futebol como ele, com tamanha facilidade, com esse nível. Tornou, durante anos, possível o impossível, e mais: fez isso incrivelmente fácil. Sempre pensei — e já o escrevi há muito tempo — que lhe faltava talvez mais incerteza. Algo claro na famosa disputa com Diego Armando Maradona: dois estilos tão diferentes.
Maradona era um concerto ousado de passes de calcanhar, canetas e toques de letra. O drible insuspeitado, a vitória épica: o mais incrível de ver em Maradona era que sempre inventava algo diferente quando parecia que fracassaria por ser impensável ou impossível, ou quando estava para perder e tropeçava, mas, no último momento,
se refazia e atingia o objetivo. Maradona dava a impressão de jogar como vivia: à beira do abismo.
Tudo nele era desmedido e frágil; Messi é o contrário. Messi faz as coisas — as coisas mais inverossímeis — como se fossem as mais fáceis do mundo, como se dissesse que qualquer um pode fazer. Sua força é incrível — poderíamos dizer que literalmente fazia o que queria — era, ao mesmo tempo, seu ponto fraco: nunca terminava de nos convencer de que aquilo era genialidade; pareciam bobagens. Bastava ver Maradona
para saber que o que fazia era heroico, extraordinário; bastava ver Messi para acreditar que o que fazia era sensato, normal.
Logicamente que não era, pois ninguém conseguiria fazer como ele. Eu costumava acreditar que possivelmente o teria beneficiado ao mostrar-se mais: jogar com mais dramaticidade, insinuar que não tinha o controle que tinha, injetar-se uma vacina do espírito de Diego. Não fazia isso: seu lugar de incertezas não estava nos pés, mas na camiseta. Lionel Messi, o maior, aquele que liderou uma das melhores equipes da história, que ganhou todos os títulos e recordes possíveis, fracassou — tentando usar a palavra correta — com a equipe da Argentina.
Este livro de Ariel Senosiain percorre as maneiras, os momentos, os mistérios, as razões: como o maior jogador da história brigou contra a história.
Messi, o gênio completo usa — com requinte, elegância, travessura — o atrativo do que é extraordinário. E nos relembra, sobretudo, como são comuns as histórias extraordinárias, e vice-versa. O gênio completo transborda de pequenas coisas: é o trabalho de alguém que queria conhecer uma pequena parte dessa pequena grande história que é a vida do melhor jogador do mundo; o autor investigou e investigou mais, e narra com encanto. O gênio é daqueles livros que dá vontade de citar por inteiro: cheio de dados, relatos e situações ao redor do futebol.
Por isso, ler este livro é prazeroso e é também, um exercício de saudosismo, do tempo que está indo embora. Possivelmente nunca mais encontraremos um garoto metade argentino, metade catalão, de cabelo comprido e cara de sonso, que vai nos convencer de que ele era sinônimo de futebol. Isso nunca mais acontecerá: estamos vendo seu desfecho.
Por isso, Ariel traz esta crônica. Investigou intensamente, o que envolve dúzias de conversas e entrevistas, relatadas aqui com uma narrativa espontânea, que a faz leve e agradável, com momentos que revelam ao leitor o que ele desconhecia, que explica o que ele não entendia. Messi, o gênio completo é uma trajetória pelos motivos de este gênio não ter atingido aquilo que outros, menos geniais, conseguiram.
Pelo menos até aquela Copa e aquela noite. Essa Copa, já tínhamos ideia, teria que ser a revanche de Leo Messi. Messi é um jogador absolutamente incomparável; Messi, além disso, já está mais de um ou dois anos sem finalizar bem a maioria de suas jogadas. No entanto, nessa Copa achou um novo modelo: e nessa Copa — e nessa noite mais do que nunca — o capitão argentino consagrou sua nova função na recuperação de bolas e de suporte moral. Aquela noite ele não conseguiu finalizar nenhuma jogada, mas correu atrás dos adversários e brigou por muitas bolas, nunca jogou a toalha, esbravejou, motivou e deixou bem claro o que queria. E, nessa jogada, aquela que teria que ser a jogada, terminou de arredondar sua nova imagem: com uma manobra perfeita deixou a bola com De Paul, recebeu a devolução e ficou sozinho cara a cara com o goleiro e em um lampejo quis ser Messi: quis deixá-lo espatifado no chão com um movimento de cintura, e o conseguiu, mas, quando tinha somente que empurrar suavemente, escorregou e caiu no chão.
Mais uma vez, não conseguiu finalizar a obra de arte, mas, dez minutos depois o jogo acabou, a Argentina ganhou, o Maracanã foi impactado, mas nem tanto, La Albiceleste pulava de alegria, o capitão se abraçava com todos. É curioso: agora que não é tão perfeito, ganha. Messi, o gênio completo é, ao final de contas, o mais puro retrato de um garoto que sofreu muito mais do que o necessário. Que possivelmente por sofrer o que sofreu conseguiu ser quem foi: porque não suportava a dor da derrota e, então, para sofrer um pouco menos, teve que ser muito mais que todos.

                                                                                                                          

Messi:o gênio completo Where stories live. Discover now