capítulo 4

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— Os homens dessa família são completamente imprestáveis, começando pelo seu pai — reclamou Yu Ziyuan enquanto pisava no acelerador com sua graça e poder, mudando a marcha como se fosse respirar. — Acredita que ele se negou a vir te buscar? Ele pensa que te fiz sozinha com meus dedos? 
Cheng afundou no banco do passageiro e ergueu seus dedos para aumentar o volume do rádio, odiava ser o pivô daquela guerra sem fim entre seus pais e ouvir os xingamentos e reclamações que sua mãe tinha a fazer de qualquer mísero erro de seu pai, Jiang FengMian. Contudo, teve que desistir da ideia quando a mulher esbofeteou sua mão em represália. 
— Você vai me escutar. Eu te dei a vida, Jiang Cheng, e posso muito bem tirá-la. 
Cheng engoliu em seco e se manteve calado no veículo, escutando toda e qualquer reclamação que viesse dela. Aquela seria uma longa trajetória. 
— Ele preferiu ficar com o filho de uma qualquer do que vir até o filho de sangue. Como pode ser tão… Nem sei se há palavras para descrever seu pai… Imprestável, não sei como aguento ficar casada com um homem desses. 
— Então, por que não pede o divórcio? 
O carro deu uma freiada brusca após o questionamento de Cheng e o homem fechou os olhos pelo susto, não esperando aquela reação de sua mãe. 
— E como ficaria nossa família? Já pensou nisso? 
— Mãe… O que é a nossa família? Você e o pai só brigam dia após dia, A-Li se casou e não está mais em casa, Wei Wuxian e eu já somos adultos e podemos nos virar… Não tem nenhum motivo lógico para que continuem juntos. 
A mulher voltou a dirigir e encarou a estrada com os olhos faiscando em fúria. 
— Você não entenderia, Jiang Cheng, o peso de estar casada e ter obrigações… Não posso simplesmente virar as costas para seu pai, mesmo que ele seja um completo imprestável. 
— Por que não? Ele saberia viver sozinho se precisasse. 
A mulher deu um riso seco e negou com a cabeça, sem tirar os olhos do caminho que percorriam. 
— Seu pai não fritaria um ovo sozinho, ele morreria de fome sem mim. 
— É nas adversidades que aprendemos o que podemos ou não fazer… O pai teria que se virar e aprenderia… 
— Não vou me divorciar de seu pai, se ele quiser, ele que peça o divórcio. 
— É teimosia e orgulho se manterem juntos… Se você não o ama, continuar esse relacionamento só vai destruí-los. 
— E desde quando se tornou tão entendido sobre relacionamentos? Seu namoro mais longo teve o quê? 3 meses? Não venha me dar lição de moral nessa altura. 
Cheng suspirou derrotado e voltou seu olhar para a janela, deixando que sua mãe prosseguisse com o discurso sobre o quanto seu pai morreria vivendo sozinho e seus infinitos defeitos. 
Por algum motivo até sentiu falta de estar pelado no meio da floresta com Xichen, ao menos lá não teria que ficar em um local fechado e pequeno ouvindo xingamentos e mais xingamentos que nem eram destinados a si. 
Seu coração perdeu uma batida ao se dar conta de que o programa havia terminado e provavelmente Lan Xichen teria voltado para casa. Será que um dia voltaria a encontrá-lo? 
[...]
Exausto era como Cheng se sentia enquanto girava a maçaneta de casa. Aquela fora a pior viagem de sua vida e suas orelhas pareciam queimar de tanto que a usara. Felizmente, ou infelizmente, seu pai e seu irmão já haviam saído para ir para a casa de A-Li, o que lhe dava um tempo sozinho antes que sua mãe terminasse de se arrumar para irem também. 
Com um suspiro, seguiu para o quarto, apanhando uma muda de roupas e foi para o banheiro. Se despiu e ficou observando seu corpo no espelho, notando que estava razoavelmente mais magro depois daqueles dias no programa. 
Ainda podia ver as marcas das agulhas em seus braços e o cansaço de ficar adoentado por tanto tempo. 
Ver seu corpo nu com tanta atenção assim acabou por ativar as memórias daqueles dias que passara no programa e, principalmente, de Lan Xichen. 
Mesmo que não quisesse, as imagens vinham como uma torrente e era difícil esquecer como o corpo do outro era tão… Exuberante. De uma beleza tão singular a qual não ousou comentar em voz alta, nem mesmo em pensamento, mas sabia que no fundo o achava o homem mais bonito que já vira em toda a sua existência. 
Os olhos claros e gentis como o mar sereno que acolhe e envolve era tão caloroso quanto um dia de Sol, aqueles braços fortes e receptivos que o abraçaram em uma noite fria deixavam saudades e aquela boca, a qual não provara, entretanto tinha absoluta certeza de sua maciez. 
"Como deve ser beijá-lo?", se pegou pensando enquanto observava os próprios traços pelo reflexo, os ossos  de seu maxilar e de suas bochechas estavam um pouco mais aparentes, mas nada tão preocupante.  
— Por que estou perguntando isso? Acorda para a vida, Jiang Cheng — deu a bronca em voz alta, balançando levemente a cabeça. — Quando um homem daqueles seria solteiro e ainda por cima iria querer algo comigo? 
Sua parte insegura apareceu com tudo e continuou a encarar-se, notando as imperfeições que tinha e as listando de uma em uma em sua mente. 
Bruto. Violento. Grosso. Mal humorado. Ranzinza. Briguento. Impaciente. Pavio curto. Irritável. Como alguém tão bom quando Lan Xichen iria querer algo com alguém como ele? 
— Sonhar é para quem pode — afirmou e seguiu para o chuveiro, ligando na água fria na vã tentativa de esquecer Xichen. 
[...]
Cheng desceu do carro e se apressou para a porta da casa de sua irmã e cunhado. Um local até simples se comparado aos padrões do Jin. 
Tocou a campainha e esperou até que a porta se abrisse e Wei Wuxian a abrisse junto ao pequeno A-Ling. 
O sorriso do pequeno foi o suficiente para acalmar o coração de Cheng que estava um completo turbilhão desde que entrara no programa. Contudo, junto a calmaria veio a sensação de completa impotência. Não havia comprado nenhum presente para comemorar o aniversário de seu amado sobrinho. 
— Wei Wuxian, A-Ling, que bom revê-los — anunciou e se abaixou para ficar na altura do garotinho. — A-Ling, espero que não fique bravo, mas seu tio aqui não teve tempo de comprar um presente decente para você, mas prometo que na próxima vez que nos virmos, vou te dar algo bem legal, 'tá bem? 
— Jiujiu, jiujiu, você chegou — comemorou com seu jeito mais espontâneo, quase se atirando nos braços do tio, mas acabou por recuar ao notar a cara de cansaço que lhe parecia brava. — O 'namolado do jiujiu já 'troce 'pesente. 
— É, A-Cheng, seu namorado já trouxe o presente do A-Ling. Não sabia que tinha tão bom gosto para homens — comentou Wuxian com um sorriso provocativo. 
— Que porra de namorado, Wei Wuxian? Desde quando eu tenho um namorado, seu imbecil? — rosnou irritado com aquela fala completamente absurda. — A-Ling, quem disse que era meu namorado? 
— A-Xian — afirmou o pequeno apontando para o tio mais velho. — Ele disse que 'ela seu 'namolado.
— Que foi o idiota do seu tio que falou essa mentira eu sei, mas quem é a pessoa que seu tio disse que era meu namorado? 
— Ele foi com a mamãe 'compa pão. 
Cheng suspirou e encarou Wuxian que apenas deu de ombros, sem se importar em lhe esclarecer aquela história doida. 
— Vem, Jiujiu, 'pesente novo, vem — chamou com as mãozinhas e saiu andando destrambelhado pela casa.
Cheng balançou a cabeça para os lados  contendo o sorriso caloroso que tentava se formar em seus lábios. Logo seguia o pequeno pela casa até chegarem a sala e a caixa avermelhada no meio do cômodo. 
— Olha, Jiujiu, um 'cao de 'bombelo — mostrou o garotinho tirando o veículo avermelhado de dentro da caixa e mostrando ao tio. — Igual o do Jiujiu. 
— Que legal, A-Ling, você gostou? 
— Uhum, 'agola vou 'se igual o Jiujiu — falou contente colocando o carrinho no chão e o empurrando. 
— E você quer ser igual seu tio aqui? — questionou Wuxian em um tom divertido apontando para o irmão. 
— Uhum, 'quelo 'salva gente que nem o Jiujiu, um 'supe 'helói. 
Cheng sentiu seu coração derreter naquele momento e seus olhos por pouco não transbordaram lágrimas de emoção. Amava com todo o seu ser aquela criaturinha pequena e sincera que vivia lhe surpreendendo e dominando todo seu amor. 
— Tio babão — provocou Wuxian dando risada e se abaixou para brincar com o sobrinho. — O tio Fengmian queria te ver quando chegasse, A-Cheng. Ele está na cozinha.
Cheng soltou um murmúrio afirmativo e seguiu para o outro cômodo, encontrando o pai em frente ao fogão, encarando o forno ligado. 
— Pai — chamou atraindo a atenção do homem para si e ele se aproximou, colocando suas mãos nas bochechas de Cheng, virando seu rosto de um lado para o outro. 
— Você não parece muito bem, Cheng. Por que foi para algo tão perigoso? — questionou Fengmian deslizando seus dedos pelas olheiras bem marcadas abaixo dos olhos do filho, em seguida, desceu pelas bochechas magras, acompanhando os ossos. 
— Não sei… Talvez para tentar o impossível… — murmurou o lema de seu pai que riu fraco e o puxou para si, fazendo-o enterrar o rosto contra seu peitoral. 
— Tentar o impossível não significa arriscar sua própria vida em uma aventura de sobrevivência… Não faça mais esse tipo de coisa… — pediu em um tom baixo e preocupado, o que soou ainda mais caloroso aos ouvidos de Cheng. 
O mais novo estremeceu internamente e sentiu seu corpo fraquejar, não era comum que seu pai lhe demonstrasse tanto afeto e estar entre seus braços era algo que precisava depois dos últimos acontecimentos. 
Seus olhos se fecharam inconscientemente e suas mãos subiram para as costas do pai, agarrando contra a blusa e se deixando estar ali em silêncio, aproveitando aquele raro momento que partilhavam juntos. 
— Bem-vindo de volta, meu filho… Descasquei algumas sementes de lótus para você e tentei fazer sua comida favorita para quando chegasse… Ainda está no forno, mas logo deve ficar pronto.
— Pai… Eu… Obrigado — agradeceu e afundou seu rosto mais ainda contra o pai, deixando uma lágrima silenciosa deslizar por sua pele. Como sentira saudades daquelas pequenas demonstrações de carinho. 
Depois de longos minutos ali, os dois se separaram e Cheng esfregou o rosto, limpando qualquer resquício de lágrimas. O som de vozes se fez presente na sala e não pôde deixar de notar que A-Li havia chegado e sua mãe entrara em casa junto ao genro. 
Cheng se despediu silencioso do pai antes de seguir para a sala. Queria matar as saudades que tinha de sua irmã mais velha. 
Assim que entrou na sala, foi envolvido pelos braços de A-Li e o de A-Ling em sua perna. Um sorriso involuntário se formou em seus lábios e não pôde deixar de retribuir. 
Seus olhos se fecharam enquanto seus braços traziam ainda mais para perto sua família. Era o momento que esperou por todos aqueles dias dentro do programa e não poderia estar mais feliz do que aquilo. 
— A-Cheng, seu namorado também quer um pouco de atenção — informou Wuxian em um tom cantarolado de pura provocação, atraindo um quase rosnado de Cheng. 
O homem desviou a atenção de sua irmã e de seu sobrinho para descobrir quem era o maldito que Wuxian dizia ser seu namorado. 
Quando seus olhos violáceos se chocaram com os azuis límpidos como águas cristalinas, seu coração foi ao teto e voltou. Suas pernas fraquejaram em reflexo e o aperto de seus braços se afrouxou. 
Parado bem ao lado de Wuxian estava Xichen, o sorriso gentil e caloroso pintando sua face como se nunca saísse. 
— A-Cheng, você parece bem melhor agora, fico feliz em te ver novamente. 
— Huan-ge… — Cheng se desviou levemente da família e se aproximou de Lan Xichen, hesitando sobre o que fazer naquele momento. Não eram íntimos o suficiente para se cumprimentar com um abraço, mas também não eram tão desconhecidos para ser apenas um aperto de mão. — Não sabia que viria. 
— Eu disse que te veria o mais rápido que pudesse, A-Cheng, sempre cumpro minhas promessas. 
Xichen sorriu e Yanli se adiantou em deixar o casal a sós na sala, apesar de ter sido uma quase luta arrastar seu filho curioso e seu irmão linguarudo que estava pronto para soltar alguma provocação ao outro. 
— Obrigado por vir e pelo presente… Você não precisava comprar nada, Huan-ge… Quanto foi? Eu posso te pagar.
— Não precisa, eu comprei porque quis e porque imaginei que não fosse conseguir comprar nada para seu sobrinho. Não foi nada demais… 
— Mesmo assim… Deixe-me pagar metade, então. 
— A-Cheng, não precisa, já te disse, hm, não seja tão teimoso. — Xichen pressionou levemente a ponta de seus dedos contra a bochecha macia, tal qual faria com uma criança. 
— Idiota — resmungou e afastou a mão dele de si. — Como chegou até aqui? Não passei o endereço da minha irmã para o programa. 
— Seu irmão me passou… Depois que acabou o programa, me lembrei do nome dele e o procurei pelas redes, queria saber se você estava bem e sobre sua recuperação. Ele me contou sobre o endereço… A propósito, ele acha que estamos namorando. 
— Aquele imprestável bocudo… Eu soube… Até meu sobrinho acreditou nele… Por que não desmentiu? 
— Eu tentei, de verdade, mas seu irmão é mais teimoso que você, deve ser algo de família. 
— Deve ser. — Cheng riu fraco e encarou Xichen por longos segundos em silêncio. — Ele provavelmente vai te tratar como meu namorado pelo resto do dia… 
— Não tem problema… Me passar por seu namorado não parece tão ruim assim, afinal, você é extremamente adorável, A-Cheng. 
— Adorável? Ficou louco, Xichen? Está alucinando? — Cheng se aproximou e colocou sua palma contra a testa de Xichen, medindo sua temperatura, descendo para as bochechas e o trazendo para perto em uma inspeção minuciosa. 
— Claro que não estou… Se você pudesse se ver com os meus olhos, perceberia o quanto é adorável, A-Cheng, qualquer pessoa iria querer namorar com você. 
— Claro, claro, tanto que não vejo uma aliança nesse dedo faz séculos — comentou erguendo sua mão para mostrar o dedo anelar vazio. 
— Bem, se quiser mesmo, posso colocar uma aliança no seu dedo, mas você primeiro precisa aceitar namorar comigo, A-Cheng. 
— Você… Isso é uma pegadinha? — Cheng olhou ao redor em busca de qualquer indício que tivessem câmeras escondidas. — Você está… Falando sério? 
— Mais sério do que nunca. 
— Porra, eu… Nem sei o que dizer… Isso foi… Repentino… A gente nem se beijou nem nada ainda. 
— Você quer me beijar? 
Cheng não respondeu, apenas engoliu a saliva que começava a se acumular em sua boca e aproveitou suas palmas encostadas no rosto de Xichen, puxando para perto e quebrando a distância entre seus lábios. 
O beijo se iniciou como um pequeno selar, mas que logo foi se aprofundando e tomando intensidade. Aos poucos as línguas se encontraram e as mãos se deleitaram em passear e conhecer o corpo do outro sobre as vestimentas. 
"Eu não sou gay", era o que rondava a mente de Cheng como uma espécie de auto piada. "Eu também gosto de mulheres", concluiu por fim, aceitando o fato de que talvez fosse bissexual. 
Se no futuro fosse aceitar ou não o pedido de namoro de Xichen, isso só o destino e sua mente e coração decidiriam. Naquele momento só queria aproveitar dos lábios doces como mel do Lan e curtir o dia com sua amada e torta família, além de seu talvez futuro namorado. 
Ficar largado e pelado em uma floresta com um total desconhecido tinha lá suas vantagens.

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