capítulo 1

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"Wei Wuxian, eu te odeio, eu definitivamente te odeio e irei quebrar suas pernas quando sair desse inferno de programa de merda", rugia Jiang Cheng em sua mente enquanto era chacoalhado de um lado para o outro na parte de trás da picape, entrando naquela densa floresta somente com um mapa da região marcado com o ponto de encontro, além de uma pederneira e a câmera que o programa o obrigara a levar naquela sacola transversal. 
Seu rosto fervia em pura fúria e queria arrebentar a cara do cinegrafista que mantinha aquela maldita câmera focada na sua cara. Por que caralhos tinha que participar daquele programa de sobrevivência por culpa do idiota do seu irmão adotivo? 
Desde quando o imprestável havia o inscrito naquele surto coletivo que era o programa "largados e pelados"? 
Queria o máximo sair logo daquilo, que aqueles 21 dias passassem tão rápido quanto um piscar. Além de ter que sobreviver em uma maldita floresta cheia de bichos perigosos e insetos irritantes, teria que compartilhar 24 horas de seu dia com câmeras e uma mulher. Qual era a doença que existia na mente deturpada do criador do programa? 
Quem em sã consciência pensaria que era algo normal e divertido colocar um homem e uma mulher em um lugar inóspito para que sobrevivessem por 21 levando não mais que dois itens úteis ao todo? Sem contar o fator que estariam pelados. 
Cheng só faltava botar um ovo com seus surtos internos de ódio e raiva. Ainda teria que controlar sua boca suja e agir como um ser humano educado e normal estando no meio do mato, sem qualquer vestimenta. 
Puta merda, ele só queria xingar e gritar com Deus e o mundo por enfiá-lo naquela porra de programa imbecil. 
— Estamos quase lá — anunciou o cinegrafista e Cheng controlou o impulso de revirar os olhos de desgosto. — Cinco minutos e encontrará a pessoa com quem vai passar os próximos 21 dias. Está empolgado? 
— Nossa, demais, mal posso esperar — comentou em um tom ácido, a ironia escorrendo por seus lábios, destilando todo seu desgosto. 
— Então… — O cinegrafista tossiu seco, tentando desfazer o clima denso ao redor do participante. — Nossa equipe estará por perto durante o dia e só terá intervenções em casos graves… Além disso, você pode desistir a qualquer momento do programa, mas isso vai deixar seu parceiro sozinho pelos dias subsequentes. 
"Você vai desistir, A-Cheng? Que belo covarde, vai colocar o rabinho entre as pernas e fugir? Nem parece que tem sangue Jiang nas veias… A tia Yu ficaria decepcionada", Cheng trincou os dentes ao lembrar da fala que o convencera de uma vez por todas a não pular fora antes mesmo de começar. Wei Wuxian sabia muito bem como atiçá-lo para fazer exatamente o que queria e Cheng caia como um estúpido patinho nas artimanhas do irmão. 
Mexer em seu ego era o tiro certeiro para arrancar o que bem entendesse dele, colocar o nome de sua mãe no meio era um bônus, o último grão de terra para cobrir sua sepultura. 
— Hm… O que se enquadraria em casos graves? — perguntou mais por educação do que por interesse, dava para ver que o rapaz estava se esforçando para arrancar comentários de Cheng para as filmagens iniciais. 
— Casos que precisem de um médico, de vida ou morte e similares. 
Cheng murmurou compreensivo e apoiou seu corpo na picape, encarando o céu azul por entre as árvores. Ao menos estava com um clima agradável, o que significava que ficar nu não seria seu inicial problema.
Poucos minutos depois, o veículo parou e os dois desceram da picape. Cheng pareceu um tanto envergonhado ao perceber que seria naquele momento em que teria que se despir em frente às câmeras.
Não tinha nenhum problema com seu corpo, na verdade, achava-o muito bom devido aos anos de treinamento que teve para entrar no corpo de bombeiros, sem contar as horas que passava na academia para ter um motivo para evitar sua casa. Porém, deixar de ser uma ideia se despir para se tornar uma obrigação, tinha feito a ficha cair em seus ombros. Não podia mais voltar atrás. 
Com um suspiro irritado, começou a retirar suas roupas da forma mais maquinal possível, deixando seu torso muito bem esculpido pelos deuses à mostra. Sua aura bruta e raivosa destoava de seu corpo de traços marcantes e únicos, além de seus olhos violáceos que vez ou outra se voltavam para a câmera, faiscando de ódio contra a lente que parecia deslizar por seu corpo. 
— Pode parar de me filmar, por gentileza? — questionou sentindo sua pálpebra tremular quando a lente se voltou para sua face que controlava da melhor forma que podia para não transparecer seu ódio. 
— Foi mal, mas não posso, ordens são ordens e você assinou o contrato dando o direito de usarmos sua imagem, Wanyin. 
"Mas que porra", reclamou mentalmente e abriu suas calças, praticamente as retirando em solavancos. Assim que se despiu totalmente, um raio de vergonha assolou seu corpo e teve que controlar a vontade de proteger suas intimidades com as mãos. 
— Você vai seguir reto aqui e perto do rio você deve encontrar seu parceiro — informou o cinegrafista ajeitando melhor a câmera para pegar a trajetória do rapaz. 
Cheng suspirou irritado e cruzou os dedos nas costas, sentindo-se constrangido ao pensar que o outro lhe filmava a bunda. Como os outros participantes não se sentiam inibidos com o foco da lente em sua nudez? 
A cada passo, seu coração saltava de raiva e sua mente continuava a lhe bombardear com motivos para não desistir, afinal, se o fizesse, sabia que Wei Wuxian o infernizaria mais que o próprio diabo e sua imagem no corpo de bombeiros iria para o ralo, já que seu querido — ironicamente falando — irmão espalhara a notícia de que ele participaria daquele estúpido programa. 
Saber que seus colegas iriam assistir aquilo lhe causava um frenesi de puro desgosto e seu espírito competitivo gritava para que demonstrasse sua superioridade para suprimir seus oceanos de insegurança. 
Para muitos, Cheng era um completo arrogante, irritadiço e mal humorado, entretanto, em seu peito era apenas um garotinho com medo de ser rejeitado pelos outros e, por isso, preferia afastar qualquer tipo de proximidade antes que seu coração fosse partido em migalhas.
Sua autoconfiança era frágil como um vidro e era sustentada por sua maneira arrisca de levar a vida. 
O som das águas se chocando contra as pedras se tornava cada vez mais presente e os olhos violáceos rodearam em busca daquela que seria sua companheira no reality. Não demorou para encontrar os fios longos e escuros, alta para uma mulher, pernas compridas e a nudez gritando fervorosamente. 
As costas pareciam firmes e os ombros largos, parecidos com a estrutura óssea de uma nadadora profissional. Não pôde deixar de notar como os músculos das pernas eram rijos e a bunda mediana e definida demais para seu gosto, apesar de não deixar de ser atraente. 
Apenas ver por trás já podia supor que era uma pessoa bonita, tinha um corpo bom, mesmo que um pouco reto demais para uma dama, mas quem era ele para julgar? Além do mais, a beleza pouco importava se o outro fosse incompetente em quesito sobrevivência. 
Cheng se aproximou em passos duros e tentou suavizar sua expressão para não ser tão rude logo no primeiro contato, mesmo que isso fosse praticamente impossível para si. 
Uma tosse rasgou sua garganta em uma tentativa de chamar a atenção e logo a conseguiu. Quando a mulher se virou, Cheng sentiu sua mente explodir em piripaques alucinados. Em vez de seios avantajados, apenas dois mamilos amarronzados, uma barriga reta e aquilo era um pau entre suas pernas? 
— Mas que caralho? Não era para ser uma mulher? — Seus pensamentos logo tomaram forma e deixaram sua boca, arrancando uma gargalhada do cinegrafista. — 'Tá rindo do quê? 'Tá me zuando por acaso? 
— N-não… É só que… Tivemos algumas mudanças no programa, alguns telespectadores estavam reclamando da heteronormatividade do reality e decidimos mudar um pouco.
— E você só me avisa agora? 
— Eu falei o caminho todo que era um cara — pontuou o cinegrafista. 
— Há algum problema com eu ser um homem? — questionou o segundo participante do reality, sua voz soando suave e doce junto ao seu sorriso compreensivo e gentil. 
— Não, nenhum problema, só fui pego de surpresa. — Cheng tossiu um tanto constrangido com aquela situação, mas de certa forma ficou aliviado em não ter que ficar completamente pelado ao lado de uma mulher. Quer dizer, um homem tinha exatamente as mesmas coisas que a si próprio, então, não parecia tão… Problemático assim. — Sou Jiang Wanyin, a propósito… 
— Lan Xichen. É um prazer conhecê-lo, Wanyin, espero nos darmos bem nos próximos 21 dias. 
Novamente Cheng se controlou para não revirar os olhos ao ouvir o tom caloroso e o sorriso quente de Lan Xichen. Como ele conseguia manter aquele sorriso estando em uma situação tão absurda? 
— Essa floresta é muito agradável… É a primeira vez que venho em uma região tropical.
Cheng murmurou afirmativo sem querer prosseguir na conversa com o outro, mas também sem querer ser tão deselegante. 
— Lugares muito quentes não são muito de meu agrado… Prefiro o frio das montanhas ao calor das praias… E você, Wanyin? 
O Jiang o olhou de soslaio e respirou fundo. Aparentemente seu companheiro de aventura era do tipo que não calava a boca e não demorou muito para associá-lo ao irmão, tão tagarela quanto. 
— Odeio frio — respondeu curto, seu olhar encarando o horizonte a sua frente. 
— Então esse lugar deve ser o paraíso para você — brincou Lan Xichen dando uma baixa risada e se encaminhando para adentrarem a floresta. — O que quer fazer primeiro? Construir um abrigo ou procurar por comida e água? 
— Melhor começarmos por um abrigo — respondeu a primeira coisa que lhe passou pela mente e o homem acabou por concordar. 
[...]
— O que faz da vida, Wanyin? Já que vamos passar tanto tempo juntos, seria agradável nos conhecermos melhor. 
— Sou bombeiro — respondeu jogando enormes folhas sobre a estrutura de madeira que haviam construído. Não tinha qualquer interesse em prosseguir com aquela conversa, entretanto, a cara de cachorrinho sem dono de Lan Xichen parecia obrigá-lo a manter o mínimo nível de conversação entre eles. — E quanto a você? 
— Eu sou instrutor de sobrevivência onde moro, é uma região mais fria e de tundras, então, os riscos são muitos. 
— Por isso veio para cá? Não sou um bom aluno, se quer saber — disse e quis dar um soco em sua própria cara por dizer algo tão desnecessário sobre si. 
— Mais ou menos… Estamos em baixa temporada de alunos. Aparecer na TV é uma excelente propaganda, ainda mais se eu passar esses 21 dias aqui. 
— Hm… Que grande interesseiro… Você é do tipo que gosta de se aparecer nas câmeras? — Cheng se recostou em uma árvore após terminar sua parte do trabalho e cruzou os braços em frente ao peito, encarando-o sem desviar o olhar. 
— Não tanto, prefiro os bastidores, mas quem não gosta de um pouco de atenção de vez em quando? 
Cheng o olhou de cima a baixo, medindo-o lentamente. Para um homem, seus traços eram muito bonitos e harmônicos, sem contar aquela aura de gentileza que emanava como se não houvesse nenhum problema em sua vida. 
Era a total aspiração do homem perfeito e ideal que muitos buscam por aí. Definitivamente, Lan Xichen era o tipo que chamava a atenção de vez em sempre.
— Pela sua cara, deve receber atenção o tempo todo — murmurou e se deixou deslizar até o chão, mantendo suas pernas cruzadas enquanto se sentava contra a terra. 
— O que quer dizer com isso? — questionou o Lan ao terminar os últimos reparos no abrigo. 
— Nada, só… Você tem uma aparência que chama a atenção. 
— Oh, e eu chamei a sua atenção, por acaso? — Lan Xichen deu um sorriso de lado e Cheng não pôde controlar o fervor que subiu por seu pescoço até alcançar suas bochechas. 
— Eu não sou gay — afirmou com convicção, seu rosto avermelhado virando para o lado contrário de onde o homem estava. 
— Não foi isso que perguntei — comentou Xichen dando uma risadinha, se aproximando alguns passos e parando bem em frente ao outro, permanecendo de pé. — Eu chamei sua atenção, Wanyin? 
Cheng engoliu em seco e se voltou para o outro, se sobressaltando ao perceber a bizarra posição em que se encontravam. Seu rosto estava exatamente na direção dos países baixos do outro e nunca quis tanto enfiar sua cara dentro da terra como se fosse um avestruz. 
Por que infernos aquele programa tinha que os manter pelados 24 horas? 
— Eu… É… — Cheng tossiu algumas vezes, incapaz de concluir sua fala com tal visão penetrando seus olhos como agulhas finas. 
— Vou aceitar isso como um "sim". 
— Não! — respondeu de súbito e se levantou às pressas, escapando da imagem do pau de Lan Xichen bem diante de seus olhos, quebrando aquela magia maligna na qual tinha se envolvido. — Eu vou caçar algo… Pode me emprestar seu facão para fazer uma lança? 
Lan Xichen deu um pequeno sorriso de lado e retirou seu facão, deixando que Cheng o pegasse e se embrenhasse pelas árvores, voltando alguns momentos depois com o que serviria de refeição para eles naquele dia. 

naked and afraidWhere stories live. Discover now