Reencontro

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"Eu vou sentir sua falta quando acordar."


"Eu vou sentir sua falta quando dormir."


"Eu vou sentir sua falta até mesmo quando sonhar."


Em mais uma noite, Alice acordou gritando. O som foi logo abafado pelo travesseiro que pressionou contra sua boca, mesmo com suas mãos tremendo por conta do pesadelo. Não era um pesadelo assustador como aqueles que tinha vez ou outra quando era criança. Era apenas mais um sonho de realidade, como a garota costumava dizer.

Mais um sonho, onde se via obrigada a enfrentar a vida do lado certo do espelho. Mais um sonho, onde ela desistia do que mais queria, por ser loucura querer ficar.

Ela era louca. Então talvez não fosse corajosa o suficiente.

Alice decidiu, por fim, que era isso. Ela não era corajosa o suficiente para salvar a si mesma daquela realidade ofuscada pela maçante vida cotidiana. Era cômodo estar ali e desfrutar de uma vida pacata. Era cômodo rejeitar a sua verdadeira essência, aquela que a transformava em Alice e não apenas em uma farsa.

Seus olhos se apertaram com força e ela expulsou o ar de seus pulmões até sentir seu coração querendo escapar pela boca. Mais um ou dois minutos se passaram antes de Alice levantar. A casa estava escura e silenciosa, como deveria estar àquela hora.

Ela andou doze passos até a pia, pegou um copo e encheu até a borda de água. Fazia alguns meses desde que deixou o mar. Navegar era uma paixão, tanto quanto a exploração em si, mas algo ainda faltava. Em noites de lua cheia, ela pensava em um gato com sorriso estranho. Ao passear pela orla, logo os cachorros pareciam familiares. Até mesmo quando bebia chá ou comia torta de amoras era impossível esquecer das aventuras que viveu.

Os relógios haviam sido abolidos de sua casa, bem como qualquer rosa branca ou vermelha.

Infelizmente, havia se tornado um hábito guardar agulhas finas e perigosas como espadas, da mesma forma como se tornara comum comprar um ou outro chapéu em formato de cartola.

Um sorriso preencheu seu rosto ao se lembrar do Chapeleiro. Seus olhos loucos. Sua dança maluca.

Sua despedida.

Ela virou o copo de água na pia sem sequer ter bebido um gole. Suas mãos agarraram a borda do balcão e Alice teve que se conformar mais uma vez com a escolha que havia feito.

Intimamente, sendo o cavalheiro branco ou não, a verdadeira Alice ou não, daquela vez ela desejava ser aquela que é salva e não a salvadora.

~

Os tons cinza de Londres o abismavam como se ele estivesse colocando os pés no próprio inferno. Quem era aquela rainha louca que permitia e impunha tal insensatez de regras? Chapeleiro parecia não ver uma alma viva e sã desde que deixara o País das Maravilhas. É claro que tudo tinha um motivo, e, para ele, não havia nada mais importante que encontrar Alice. Seu tempo no terrível pais da Inglaterra parecia um sofrimento necessário para chegar à sua finalidade.

Alice sempre fora destemida. Já visitara o País das Maravilhas por três vezes. Já salvara sua existência mais vezes que isso. Chapeleiro gostaria de retribuir o favor, ainda que estivesse lá por motivos mais egoístas que isso.

I'll miss you when i wake up - Alice Kingsley/Mad HatterWhere stories live. Discover now