Sarah Lee
Chego quase no mesmo instante em que minha mãe atravessa a cozinha com uma garrafa de água cheia de gelo em uma mão e o tapete de ioga na outra.
Ela se aproxima e beija minha testa com um sorriso e olhos gentis.
— Como foi a aula hoje? — especula.
Posso dizer que o padrão familiar dos meus colegas de turma envolvem pais ausentes que justificam suas longas viagens e reuniões infinitas como uma maneira de sustentar nosso estilo de vida luxuoso. Mas meus pais não são assim, eles trabalham o tempo todo, mas prezam por tempo de qualidade em família.
Dito isso, demonstrar interesse no meu dia a dia não é exatamente o que minha mãe costuma fazer. Por isso me surpreendo com sua pergunta, embora eu tente não demonstrar. Já sei onde isso vai parar e preciso conduzir essa conversa para o lado oposto.
— Bom. Entreguei a resenha sobre Machado de Assis pra aula de Literatura, terminei a maquete de Geografia e aparentemente tenho um aluno interessado nas minhas aulas particulares nesse bimestre.
Os olhos de minha mãe brilham de orgulho, mas ela acena a cabeça em um cumprimento polido. É o mais longe que ela se permite ir, por alguma razão meus pais preferem acumular seus elogios e despejá-los de uma vez só.
É como se isso fosse um jogo onde acumulo pontos. Eu não sei qual é o número mágico que desbloqueia a corujice deles, mas como ela acontece com certa frequência, eu aprendi a lidar com esses silêncios autoimpostos e já não me frustro tanto.
Enfio a cara na geladeira fingindo ter dificuldade em decidir o que quero comer e me distraio com o frescor que sopra leve meus cabelos.
— Falei com a Analice hoje... — a frase fica no ar e preciso me policiar para não prender a respiração por impulso.
— É mesmo? Como tá a Geórgia? Eu ia mandar mensagem pra ela daqui a pouco — digo alcançando uma travessa com sobra de lasanha à bolonhesa.
Minha mãe não tira os olhos de mim e eu não tiro os olhos da comida. Me sirvo vagarosamente, como se não tivesse nada melhor para fazer, ou como se não tivesse razões para fugir dali à menor menção da conversa entre minha mãe e a coordenadora da escola, que por um acaso é mãe da minha melhor amiga.
— Ela está bem, semana que vem já deve voltar pra escola. Vocês deviam sair pra tomar um sorvete — ela sugere.
— Eu já chamei, mas ela disse que ainda tá com a cara inchada e não quer sair — digo fazendo pouco caso.
Geórgia é linda até se a virarem do avesso, mas não pode passar mais de cinco segundos diante da própria imagem que encontra defeito para absolutamente tudo o que os olhos conseguem ver.
Já faz duas semanas que não vai para a escola desde que extraiu os sisos, mas é claro que sua ausência não é motivo para ela não saber o que acontecer por aí.
É minha melhor amiga e me entristece dizer que não boto minha mão no fogo por ela. Se minha mãe citou Analice, é porque Geórgia deve ter dado com a língua nos dentes e comentado alguma coisa do que não devia.
Mas já aprendi minha lição alguns anos atrás, tanto em relação à Geórgia como em relação à minha mãe.
Eu primeiro devo conter meu impulso de chorar e espernear por qualquer falácia que me envolva, depois eu preciso ir lá e resolver a situação com o mínimo de prejuízo e danos colaterais.
Meu nome é a coisa mais preciosa que carrego. É o que define quem sou, o que faço e o que tenho. Preciso honrá-lo e merecê-lo. E para isso, algumas vezes preciso fingir que estou com tudo sob controle.
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Eu não sou sua princesa
RomanceO sobrenome de Sarah Lee estampa as fachadas dos hotéis mais bem avaliados do país. Para a adolescente da alta sociedade usufruir dos benefícios que essa vida luxuosa oferece, ela precisa andar na linha e ser excelente em tudo o que toca. Isso é um...