Prólogo

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O céu puramente azul é tudo o que consigo ver quando abro os meus olhos. Não há nuvens, o sol brilha intensamente e o azul tão claro traz um sensação de paz. Uma paz melancólica, quase cálida. Meu corpo flutua num embalo tranquilo, constante. Mas os raios solares me cegam, não consigo mais olhar para o alto. Movo meus pés e braços, posso sentir o peso fantasmagórico da água.

Meus olhos deslizam do imenso céu e observam minhas mãos acariciando a água escura que me embala. Reconheço que parece fundo onde estou. Ao invés de mergulhar para testar a profundidade, olho para outras direções. Vejo a cidade de Tel Aviv ao longe. Os prédios construídos nos anos 30 parecem tão pequenos daqui. Realmente estou na parte funda do mar. Isso me causa um desespero pontual. Eu odeio o mar, odeio essa água escura ao meu redor e a profundidade que não posso medir. Eu odeio o mar. Posso sentir o pavor me sufocando. Está ficando difícil respirar. O que vim fazer aqui?

Me debato na água, tentando sair do lugar. Preciso chegar à margem. Preciso pôr meus pés na areia da praia. Trêmula, sentindo a água fria e escura me engolir, tento seguir na direção da cidade, mas de repente sinto alguém me abraçar por trás. Poderia alguém vir até aqui para me alcançar? Um grito assustado morre preso em minha garganta quando reconheço o dono das mãos que me seguram com tanto carinho. Eu reconheceria esse abraço em qualquer lugar do mundo, em qualquer espaço de tempo, mesmo depois da distância imposta.

Me viro para trás imediatamente e vejo Yoongi. Ele está sem camisa, o que é estranho, ele nunca tirava a camisa quando estava na praia. E ele também está na água, os cabelos estão molhados e jogados para trás. O que Yoongi está fazendo aqui no mar? Ele odeia tanto o mar quanto eu. Talvez até mais. Meu coração bate frenético ao vê-lo. Já faz tanto tempo. Mas ele está aqui, bem a minha frente. Toco a pequena cicatriz no seu ombro esquerdo. A pele ainda é macia e escorregadia como me lembro.

— Yoongi. — Digo perplexa, minha voz quase não sai.

— Oi. — Ele me abraça delicadamente.

Meu corpo reconhece o dele mais uma vez. Mesmo que a fobia do mar me apavore, sinto cada átomo do meu corpo chorar ao sentir minha pele na sua. Retribuo com desespero, saudade, ânsia. Já faz tempo demais. Tempo suficiente para me fazer perder as pequenas sensações que compunham o seu toque. Sinto vontade de cheirar seu pescoço na tentativa de lembrar do perfume natural da sua pele, mas o cheiro salino do mar me impede. O que me resta é encaixar minha cabeça na curva entre seu pescoço e ombro, como sempre fiz, e lembrar de como esse sempre foi meu porto seguro.

— Vim porque você sente minha falta. — Ele diz daquele jeito calmo.

Uma de suas mãos desliza pelas minhas costas nuas. O carinho que eu sempre amei. Senti tanta falta do seu toque.

— Eu sinto. — O aperto mais contra mim. — Todos os dias.

A confissão sai dolorida. Sinto o nó se formando em minha garganta. Meu coração grita desesperado no peito, tentando sair de mim e encontrá-lo, pulsar junto ao seu.

— Eu não posso ficar muito tempo. — Ele diz se afastando minimamente de mim.

— Por quê? — Olho no fundo de seus olhos e me perco por um segundo. Senti falta dos seus olhos.

— Eu preciso ir. — Ele diz calmamente acariciando meu rosto.

— Não. Vamos sair daqui. — Seguro suas duas mãos. — A gente odeia o mar.

— Sarang, eu preciso ir. — Ao proferir as palavras, ele parece sentir um pouco dor. É quase imperceptível.

Quero perguntar se é o seu ombro ou outra parte do corpo que dói mais, mas tenho medo da resposta. Acho que no fundo sei o que tanto dói nele.

— Fique, por favor. — Peço chorosa.

Ele segura meu rosto delicadamente e beija minha testa. Sinto as lágrimas quentes rolarem pelo meu rosto. Sinto a dor da partida. Meu peito rompe num choro quase infantil. Soluço, perco o ar e tenho vontade de gritar quando as mãos dele me abandonam.

Vejo-o nadando para longe. Ele nunca teve essa desenvoltura na água. Yoongi parece diferente. Não sei dizer como, só não parece simplesmente ele. Há algo que o transcende e eu não consigo entender. Ele seria capaz de ir mais uma vez sem se despedir de mim? Por que ele parece tão calmo com a partida?

— Você nem ao menos se despediu de mim. — Digo alto chorando quando o vejo longe demais.

Ele olha para trás uma vez e sorri daquele jeito doce, como se soubesse. Ele sabe. Yoongi sabe de tudo.

— Yoongi, por favor. — Tento nadar até ele, mas a água parece tão pesada. — Por favor.

— Não venha até aqui. — Ouço sua voz aflita. — Você ficará bem, meu amor.

Por conta do choro, não consigo enxergar direito. Tudo é só um borrão e eu nem ao menos consigo avista-lo mais.

— Eu preciso de você comigo. — O choro sai alto.

Me sinto abandonada, mas mesmo assim tento nadar na direção em que o tinha avistado anteriormente, mas algo me impede. Uma força que parece sobrenatural me impossibilita de seguir, meu choro ganha força, todo meu corpo treme. O sentimento de impotência e abandono voltam. Sou incapaz de me manter de pé. Me debato na água quando fica difícil demais nadar. Estou afogando.

— Sarang, você ficará bem. — A voz do Yoongi soa ao longe. — Eu estou bem, fique tranquila. Siga em frente.

Quero pedir ajuda a ele, mas a água salgada do mar começa a se agitar e entra pelo meu nariz e pela boca. O pavor que me toma é horrível. Não consigo mais ouvi-lo, não consigo ouvir a mim mesma. Meus pensamentos me afogam assim como a água. Tento vigorosamente não submergir, mas o mar se revolta contra mim e me engole. Quando finalmente estou inteira embaixo do mar de Tel Aviv, vejo a escuridão. É quieto e assustador aqui embaixo. Estou no vazio da solidão.

Tento nadar para cima. O ar está acabando. Me esforço, bato minhas pernas e braços para cima, mas nem ao menos a luz do sol consigo avistar. Mais uma vez me desespero, mais água entra em minha boca e nariz. Sinto que posso morrer, mas ao invés disso, sinto meu corpo dar um tranco e então abro os olhos.

Respiro fundo várias vezes. Meu corpo está trêmulo e sinto o suor ensopando minhas roupas. Olho ao redor e vejo o quarto. Estou em Seul, no nosso apartamento. Era só um sonho. Apenas um sonho.

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