12. Valência e Ansara

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Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida ...

Retirado do poema Lágrimas Ocultas de Florbela Espanca


Passou uma semana desde que Ansara se encontrou com a Rainha do Reino da Teia. Ele sentia o tempo a pesar sobre ele, mas estava sem recursos e a sua mente confusa. Não sabia o que fazer nem como fazer.

Andava de um lado para o outro na sua nova casa, a gruta onde encontrou o livro. Fez um novo arco e fez umas mantas com peles de animais que caçou para se agasalhar.

Tentou ainda ler os restantes livros daquela gruta, mas estavam todos na mesma língua antiga do anterior. Já tinha se repreendido centenas de vezes por não ter voltado à gruta para ir buscar a sua mala de mantimentos e o seu livro.

Apesar de as hipóteses serem poucas, era possível ter escapado a Aracnia a sua mala. No entanto, não conseguia. Sentia um verdadeiro horror de voltar. Aquela mulher forçou-o a ter relações, magoou-o com prazer. Ele apesar de toda a sua força, não conseguia impedir aquele rasgar do seu ser, da sua vontade.

Ansara não queria admitir, nem para si mesmo, mas estava aterrorizado e por isso passou uma semana ali sem conseguir fazer nada a não ser fugir e esconder-se da possibilidade de Aracnia andar à sua procura.

No entanto, precisava de comer e por isso pegou no arco que havia feito e partiu para caçar, da forma mais discreta possível. Preparou a camuflagem e caminhou entre os arbustos.

Ponderava ir ao rio, encher o seu canteiro de água, para se banhar e pescar alguns peixes. Era difícil pescar com o arco, mas no rio os peixes eram tão abundantes que saltavam nas pequenas cascatas.

Ele costumava usar as suas setas como lança para pescar os peixes que saltavam. Era o que havia feito nos dias anteriores. 

Quando chegava ao rio, ouviu o som arrastado de passos e ficou alerta. Reparou ser uma mulher encapuçada que poderia ser de qualquer reino, trazia um grande casaco castanho justo ao corpo. Como estava sozinha, Ansara sentia-se um pouco mais descansado, mas não muito. As mulheres do Reino da Teia ainda conseguiam ter um poder sobrenatural sobre ele. Por isso, ele dirigiu-se ao rio o mais camuflado possível.

No entanto, um súbito ataque pelas suas costas fê-lo defender-se e lutar com aquela mulher. Como ela estava atrás dele, não viu a sua face, mas quando se virou viu que a sua cara não era desconhecida. Sentiu o coração a bater mais forte.

Ela investiu num novo ataque e ele conseguiu dominá-la prendendo-a com o seu corpo. O capuz de Valência caiu, mas graças ao seu gorro o seu cabelo não ficou visível. Olhou para Ansara, mais magro e fustigado, mas forte como sempre fora. Lutou para se libertar dele, mas não conseguiu.

– O que fazes por aqui, Ansara?! – perguntou tentando distraí-lo.

– Não imaginas o quanto queria ver-te! – emocionou-se Ansara. Inclinou-se e abraçou-a sem esforço, apesar de ela se debater. Deu-lhe um suave beijo nos seus lábios e Valência, talvez pelas saudades que tinha ou por hábito antigo, correspondeu com mais entusiasmo do que desejava. Ele soltou o corpo dela, mas ela prendeu-o com o seu corpo, até se dar conta do que fazia...

– Onde está o Artefacto, Ansara? – perguntou Valência com os olhos a crispar. Não sabia de onde vinha a sua fúria. Seria de ter perdido o Artefacto ou de ter cedido aos encantos do seu marido?

– Sabes era mesmo por isso que queria falar contigo. Aracnia levou-o. Foi ela quem me fez a marca... quando vi que ela era a Rainha congelei... Ela tem algum poder maligno! Por favor, Valência, acredita em mim! – pediu Ansara.

O Reinado das Mulheres (RASCUNHO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora