5. O Reino da Pastaria III

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«Se alguém se considera limitado pelo seu género, raça ou origem, ficará ainda mais limitado". 

de Carly Fiorina

Eurico chegou a casa dos seus avós, mas viu antes mesmo de bater na porta que quem morava ali eram outras pessoas. Demorou-se a olhar para as pessoas no quintal da casa, uma vez que tinha a face em parte coberta, o seu chapéu à pintor (com a aba descaída sobre as marcas que tinha na face) impedia-o de ver facilmente. Comprou-o porque tinha reparado que as pessoas, homens e mulheres olhavam-no fixamente e desviavam-se como se ele tivesse peste. No primeiro instante, pensou que tivesse sido impressão e não ligou. No entanto, ao ouvir uma senhora de idade a dizer em voz alta para toda a rua:

– Homens com duas marcas a passear na rua como se não fosse nada! Deveriam ter vergonha na cara! Escondê-la, pelo menos, já que não podem esconder as indecências!

Só poderia estar a falar dele. Ele tinha-se esquecido das marcas e que agora tinha duas como Ansara. O que os seus avós pensariam? Apressou-se a comprar o chapéu antes de ir a casa deles. 

Apesar de ver uma família jovem a sair da casa dos avós, não desistiu de saber informações. Perguntou-lhes se sabiam de um casal idoso que morava ali? Foi com pesar que ouviu dizer que os avós tinham morrido, os dois há dois meses num acidente com uma carroça. Indicaram-lhe o cemitério onde foi colocar algumas flores e incenso. Chorou por eles e por não os ter encontrado a tempo de dizer adeus.

Recomposto voltou à pensão, mas Ansara ainda não tinha voltado. Percorreu a cidade, mas não o encontrou. Por fim, teve a ideia de ir ver na Biblioteca Mundial, o local que ele queria visitar. E foi lá que o encontrou. A resmungar com os livros na seção de história a menos apreciada da Biblioteca. Todos adoravam ler livros de literatura, poesia, mas outros temas como história, só para trabalho ou estudo. No Reino da Pastaria, quase ninguém os utilizava.

Ansara estava mergulhado neles. Tinha à sua volta mais de vinte livros. Quando Eurico disse-lhe «olá» Ansara saltou da cadeira com o espanto. Ainda teve o impulso de esconder os livros, mas era impossível.

Eurico espreitou para os títulos: A História dos Reinos II, Como os Reinos Mudaram, Porque os Campos Existem, Alice Lencastre – A Grande Cavaleira, As Diferenças Fundamentais entre Homens e Mulheres, entre outros. Eurico ficou confuso porque não encontrou nenhum tópico em comum e sempre pensou que ele fosse pesquisar sobre o seu trabalho ou literatura...

– O que estás à procura? – perguntou Eurico intrigado.

– Nada! eu só gosto de história! – respondeu irritado Ansara – não vinhas ter comigo só ao final do dia?!

– Já estamos no final do dia – Eurico apontou para a janela onde já se via o dia a escurecer – uma vez que não estavas na pensão, vim dar uma volta – sorriu.

Ansara olhou desesperado para o sol a pôr-se.

– De qualquer forma a Biblioteca deve estar a fechar. Amanhã voltamos, também quero ler uns livros na secção de literatura. Agora, vamos?

Ansara resignado deixou os livros na mesa do aborrecido funcionário e saiu. Foram os últimos a sair. Os ânimos de ambos não estavam muito bons, por isso, acabaram por comprar umas sandes e sentarem-se em frente da Biblioteca.

O tempo estava ameno e ambos tinham receio de serem expulsos se fossem a uma taverna comer, sempre era possível que alguém visse as suas marcas.

Eurico contou sobre os seus avós e depois acrescentou:

– Ansara, tu tens sido um bom amigo. Seja qual for o assunto, tu ouves e apoias-me. Eu nunca vi que tu tenhas falado do que te contei a ninguém, muito ao contrário da maioria das pessoas dos campos. Eu não te falharei, seja qual for a tua ideia e a tua razão de vir até aqui – apontou para a biblioteca – diz-me que eu ajudo-te.

O Reinado das Mulheres (RASCUNHO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora