<< Pg. III >>

193 53 382
                                    

Com uma mistura de cautela e alívio, Leyla adentrou na agitada Taverna Ferro e Fumaça, seus olhos vasculhando cada canto em busca de possíveis ameaças. O atendente, sempre taciturno, não pôde deixar de perceber, escondidas no casaco da jovem, as orelhas de um gato, apontadas para fora, o que o fez franzir a testa. No entanto, ele não hesitou em servir-lhe o conhaque rapidamente, enquanto ela se movia pelo salão principal com uma postura séria e determinada.

Com um olhar perspicaz e uma pitada de sarcasmo, a moça percorria o ambiente da Taverna Ferro e Fumaça, desviando-se habilmente das figuras sombrias que se amontoavam pelos corredores estreitos. As mesas de madeira desgastada e as paredes manchadas contavam a história de incontáveis intrigas, criando uma atmosfera que oscilava entre o mistério e a decadência.

Entre risadas e olhares furtivos, as pessoas de toda sorte se misturavam, cada uma com sua própria agenda, alimentando-se do caos e da corrupção que permeavam o Porto das Sombras. Para os habitantes do submundo, a Taverna era mais do que um simples ponto de encontro; era o epicentro de uma teia de traições e conspirações, onde os Renegados, autoproclamados aqueles sem magia naquela região, tramavam em segredo contra o sistema opressor, enquanto se embriagavam com a ilusão de liberdade.

Chegando à sua mesa particular nos fundos do bar, seu "escritório", a moça se acomodou em sua cadeira com um suspiro de alívio. Era ali, entre as sombras e os murmúrios dos frequentadores, que ela se sentia verdadeiramente em casa e que aguardaria o homem misterioso.  Com um gole da bebida, e o Tapete de Pulgas procurando sob a mesa um lugar para sentar, ela deixou seus pensamentos sobre seu desafio iminente, que a aguardava, se dissipar.

Seus olhos pousaram em Adilarif, dono do estabelecimento, seu porto estranhamente seguro, enquanto o homem distribuía doses de ânimo entre os clientes, ela observava-o com uma mistura de gratidão e cinismo, reconhecendo nele uma figura paterna que sempre esteve ao seu lado nas ruas perigosas de Porto das Sombras.

Quando a viu, Adi aproximou-se da mesa de Leyla com um prato de sopa de batatas e um sorriso largo estampado no rosto. - E aí, minha pequena aventureira? Pronta para causar mais um furacão na cidade? - perguntou ele, com seu jeito peculiar de ser. Ela devolveu o sorriso para o homem que a acolheu e orientou desde os tempos em que ela era apenas uma menina de rua perdida e sem rumo. - Sempre pronta para uma boa dose de suor e sangue, Adi.

Bastou alguns minutos, entre risadas e conversas animadas e o ronronado do gato que agora já circulava na taberna, para Leyla sentir-se fortalecida pelo apoio de Adilarif e pelo espírito de camaradagem suspeita que permeava a Taverna Ferro e Fumaça. A atmosfera de camaradagem e confiança no local era palpável, mas ela permanecia alerta para qualquer sinal de perigo iminente.

Não demorou muito para que Shura e Tashi, ambos rapazes irmãos e seus melhores amigos, entrassem na taverna abraçados a alguns amigos. Shura subiu em uma cadeira pedindo a atenção de todos, para fazer um discurso inflamado, convocando os presentes para a luta contra a opressão dos feiticeiros e das grandes corporações. Ela observava a paixão fervorosa de Shura com preocupação, nos últimos tempos ele estava expondo demais suas convicções, mesmo ali, eles sabiam que os Sentinelas voltavam e meia apareciam em nome do governador geral.

― Cidadãos de Naratumi, ouçam nossa voz! - proclamou ele, e o bar caiu em um silêncio expectante. Leyla levantou uma sobrancelha, curiosa para ouvir o que ele tinha a dizer.

O chefe dos revolucionários continuou, articulando as palavras com paixão e convicção. Ele descreveu vividamente a situação dos agricultores, oprimidos pelos magos que controlavam a magia e exigiam tributos pesados em troca de seus serviços. Ele falou dos miseráveis do livre comércio em Porto das Sombras, vivendo à margem da sociedade, enquanto os abastados desfrutavam dos luxos proporcionados por sua descendência mágica.

Conforme ele prosseguia, os murmúrios de concordância começaram a surgir entre os presentes. Leyla notou os olhares determinados e os acenos de cabeça em aprovação. Parecia que as palavras do chefe dos revolucionários estavam ressoando profundamente com aqueles que estavam cansados da injustiça e da opressão.

Ao finalizar seu discurso, Shura ergueu o punho no ar e levou-o ao coração, conclamando os presentes a se unirem na luta por um futuro mais justo e igualitário para todos. E no bar dos renegados, o grito de apoio foi unânime, ecoando pelas paredes como um chamado para a revolução que se aproximava.

Antes que pudesse refletir mais sobre o assunto, a chegada daquele  homem encapuzado e perseguidor interrompeu o clima de fervor revolucionário. Leyla estudou-o com olhos astutos, percebendo imediatamente a aura de mistério que o cercava. O homem misterioso aproximou-se com passos firmes - Então, você é a ilustre Leyla? - começou ele, - Muito se fala sobre você e suas habilidades notáveis.

-E quem é o senhor para estar interessado em minhas habilidades? - Perguntou a garota intrigada enquanto recebia no colo o gato que parecia incomodado com a presença do homem. - Chame-me de Intermediário, - disse ele, sua voz ecoando com certa autoridade pelo recinto - E trago comigo uma proposta.

O homem fez uma pausa longa, como se estivesse ponderando suas próximas palavras, e então prosseguiu, - Estou à procura de alguém com suas habilidades para uma tarefa singular. Um roubo que demandará coragem, astúcia e determinação.

Leyla arqueou uma sobrancelha, intrigada com a proposta. Embora possuísse experiência em parcerias desafiadoras, algo na maneira e nas palavras do tal Intermediário a fazia pressentir que esta seria uma empreitada distinta de todas as outras que já enfrentara.

- Continue. - incentivou ela novamente, sua mente ágil já calculando os riscos e as possíveis recompensas envolvidas na empreitada proposta pelo tal Intermediário. - Precisa de companhia Gatuna? - Disse Shura, o chefe dos revolucionários, enquanto acenava para Tashi trazer mais bebida à mesa.

O Intermediário olhou para Shura com uma expressão calculista, como se estivesse avaliando cada palavra antes de responder. Por fim, ele falou com voz grave. - Seus amigos são bem-vindos, desde que possuam as habilidades e a coragem necessárias para enfrentar os desafios que virão. Mas lembrem-se, esta missão não será fácil e o perigo será constante.

Leyla trocou olhares com Shura e Tashi, sabendo que eles compartilhavam a mesma determinação e o mesmo desejo de obterem qualquer vantagem e recursos na luta pela liberdade, afinal eles eram os irmãos Sombras. Ela sabia que, juntos, poderiam superar qualquer obstáculo que o destino colocasse em seu caminho. - Precisamos analisar a proposta e os nossos benefícios, temos alguns minutos para te ouvir.  - disse ela, com um sorriso determinado no rosto.

O Intermediário assentiu com a cabeça, como se a moça tivesse alguma alternativa e o grupo se encaminhou para outro ambiente da taberna, para discutirem os detalhes da possível missão. Assim, enquanto, na Taverna Ferro e Fumaça, o murmúrio das conversas e o tilintar dos copos preenchiam o ar, Leyla e seus amigos se preparavam para mais uma jornada rumo ao desconhecido.

Herdeiras da TramaWhere stories live. Discover now