Capítulo 19- Any

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Uma semana depois

Tudo dói, respirar dói, comer dói, abrir os olhos é cansativo. Ontem eu estava boa, comi muito, dei muita risada, brinquei muito, estava me sentindo ótima.

Toda vez que eu tentei dormir escutei um bebê chorando, mas o quarto estava vazio e minha mãe estava dormindo do sofá.

Tem um aparelho conectado no meu coração, fazendo a função de bater e bombear sangue, sem o aparelho ele é inútil agora. Não me lembro da cirurgia, nem em que momento eu precisei colocar. Talvez eu tenha desmaiado.

Tomei sorvete essa semana e comi muitos doces que eu não podia, fui visitar os bebês e recebi muitas visitas. Noah esteve aqui junto com a Clara, entreguei uma carta para cada um deles e disse que poderiam ler somente em alguns dias. Noah entendeu e prometeu que tentaria explicar para ela. Meu irmão veio fazer uma visita ontem, me entregou flores e prometeu ficar com o meu quarto.

Observei o céu pela minha janela, reli todas as cartas que eu recebi nos últimos meses. Abracei muitas pessoas, mandei mensagem para muita gente, dei tchau para a minha vida.

E agora eu estou esperando os aparelhos serem desligados. Parece que meus pulmões começaram a encher de sangue, não tenho mais nenhuma outra saída a não ser esperar.

- Any?

- Acordada.- Sussurro.

- Terminamos de assinar tudo.- Minha mãe diz quando chega ao lado da maca.

- Cadê o papai?

- Está lá fora com o Josh, ele vai entrar depois de mim.

- Sinto muito por não ter outra opção agora.

- Ah minha pequena.- Diz segurando a minha mão.- Não vale a pena ficar fazendo você sofrer, o câncer estava te consumindo. Não era justo com você te obrigar a ficar e tentar.

- Você é a melhor mãe desse mundo.- Digo com dificuldade.- Não pense que falhou em algum momento comigo porque nunca fez isso, você fez minha infância e adolescência serem extraordinárias, me fez a pessoa mais feliz desse mundo apenas por me levar na praia todos os fins de semana. Me olhava a noite todas as vezes em que fiquei doente e isso te torna uma mãe surreal. Quando você sentir a minha falta, quero que leia isso, a minha letra estava um pouco tremida eu não estava conseguindo escrever direito, mas dentro dessa carta tem tudo o que eu não disse em anos, tem todo o amor que sinto por você.
"Quando você pensar que seu mundo está desabando, aperte o play em uma música e dance embaixo das estrelas. Se lembre eu te amo e vou estar bem."

★★

- Brincadeira das charadas.- Digo para o meu pai.

- Vamos lá.

- Quando você está no mar e vem uma onda gigante, seu corpo entra em pânico com medo de se afogar, o que deve fazer?

- Continuar nadando.

- Quando você estiver com medo e não souber para onde ir, o que tem que fazer?

- Continuar nadando.

- Quando a saudade bater, o que você deve fazer?

- Continuar nadando?- Pergunta com os olhos enchendo de lágrimas.

- Também, mas você vai pegar isso, vai ler e vai entender todos os motivos pelo qual você foi meu herói durante todos os meus anos de vida e o tanto que eu te amo. Vocês vai ficar bem e eu vou estar bem.

★★★

- Doutor.

- Querida.- Josh sussurra se aproximando.

- Você está pronto?

- Não.

- Eu também não. Me conte um segredo.

- Quando eu era mais novo não gostava que nenhuma pessoa encostasse em mim. Nada de abraços, nada de toques, nada de beijos. Nunca soube o motivo, eu só não queria que ninguém me tocasse.

- O que te fez mudar?

- Não sei. Sua vez, me conte um segredo.

- Eu pegava doces escondida da geladeira da doceria quando era criança e levava para as pessoas que moram na rua.

- Sua mãe nunca desconfiou?

- Ela nunca me disse nada então acho que não. Por quê está me olhando assim?

- Estou te admirando e decorando cada traço do seu rosto.

- Eu coloquei o meu instagram na sua carta, você nunca me pediu mas lá tem algumas das minhas fotos.

- Carta?

- Você só vai ler quando eu não estiver mais aqui.- Digo entrando o envelope para ele

- Claro.

- Não podemos ficar enrolando aqui, não é?

- Infelizmente não.

- Vai doer?

- Não, você optou por anestesia, lembra? Você não vai sentir nada, só vai dormir e quando eu ver que está totalmente apagada eu desligo.

- O que vai desligar primeiro?

- Primeiro eu desligo o aparelho do coração e depois o oxigênio, mas é como eu disse, você não vai sentir nada, nem falta de ar ou o coração parando, vai estar dormindo o tempo todo.

- Tem alguma chance da anestesia não funcionar?

- Sem chances. Você só tem que pensar que vai descansar agora, está bem?

- Tudo bem.

- Noah esteve aqui hoje?- Pergunta enquanto se afasta.

- Passou aqui antes da minha mãe.

- O que você pediu para ele?

- Como sabe que pedi alguma coisa pra ele?

- Digamos que ele também não seguiu a regra de não criar laço afetivo com os pacientes.

- Pedi para ele cuidar de você.

- Eu já sou bem grandinho querida.- Diz trocando a agulha da seringa.

- Isso não quer dizer que não precisa de cuidados.

- Vou lembrá-lo disso quando estiver com sono e não for o turno dele.

- É um ótimo ponto. Não deveria ter mais enfermeiros aqui com você?

- Pedi para fazer sozinho.- Fala voltando para a maca.- Queria ficar os últimos minutos com você.

- Leve Clara na praia mais vezes. Ela vai amar o mar quando crescer, e leve-a para mais aventuras. Comece a guardar mais memórias com ela, Clara vai ser uma garota brilhante.

- Eu vou levá-la.

- E quando puder, leia a carta que eu dei para ela. Clara é nova demais para entender bem mas sei que quando crescer vai se lembrar de tudo.

- Você é inesquecível, querida. Jamais vou deixar alguém te esquecer.

- A garota azarada.

- Não, a garota que eu enviava cartas secretamente ao amanhecer.

- É um título melhor.

- Eu não queria ter que dizer isso, mas chegou a hora.

- Enquanto você injeta, posso te pedir um último favor?- Pergunto quando ele encaixa a seringa no scalp.

- Todos que você quiser querida.- Diz empurrando um pouco do líquido para dentro.

- Vai dar um final feliz pra gente. Você merece toda a felicidade do mundo e amei ter você comigo.- Pisco pesado, como se minhas pálpebras pesassem uma tonelada.- Até mais, doutor.

- Até mais, querida.- Ele sussurra rouco.

E em segundos, entro no mar da escuridão.

Cartas ao amanhecerOù les histoires vivent. Découvrez maintenant