A próxima porta

1. You know it's not same as it was

Encaro a sala repleta de caixas de papelão em que cabem tudo e toda minha história de 32 anos.

Me perco em meus pensamentos, como uma vida inteira cabe em quarenta e poucas caixas. A mudança foi mais difícil do que eu esperava.

Quando finalmente empacotei a última, ainda no meu antigo apartamento, e o olhei, completamente vazio, uma estranha sensação me atingiu. Talvez uma nostalgia, passamos momentos bons ali, minha filha viveu todos os seus 6 anos neste local. Foi no meio da sala que deu seus primeiros passos, que deitada comigo no meu quarto, ela falou pela primeira vez "mamãe", aqui comemoramos alguns de seus aniversários, e foi neste local que a vi crescer.

Mas foi aqui também que tudo mudou.

Meu relacionamento de 17 anos chegou ao fim na mesma sala que ela deu os primeiros passos.

Em uma manhã de domingo, que estávamos sozinhos, a minha criança tinha ido passear na casa da avó para aproveitar o restinho das férias na companhia dos primos.

Felipe me chamou enquanto eu preparava um café da manhã para nós dois.

- Podemos conversar?

- Claro, diga.

- Senta aqui.

Meu coração disparou.

Felipe era um homem brincalhão, quase nunca falava sério com nada, mas naquele momento percebi pelo seu tom de voz que algo não estava certo.

Me assentei ao seu lado na mesa e o olhei com apreensão. Analisei seu rosto tenso, seus olhos verdes tinham um brilho diferente, e percebi como seus poucos cabelos brancos estavam evidentes.

- Fala, tá me deixando nervosa.

- Eu não sei bem por onde começar. – disse enquanto coçava a cabeça

- Começa do início. Anda, desembucha.

- Lembra que a gente sempre prometeu que nosso relacionamento seria uma escolha e não uma obrigação?

Meu coração se apertou, sabia exatamente do que ele estava falando.
Insisti muito nessa conversa durante os anos. Não queria que ninguém se sentisse preso neste relacionamento, e quando você está nele desde os 15 anos, muitas vezes pode parecer uma obrigação continuar com aquela pessoa. Nunca quis isso. Para mim, relacionamento só era bom, enquanto era bom para as duas partes.

- Acho que não tá funcionando mais para mim. – Disse cabisbaixo e pude perceber pela sua voz que tentava segurar as lágrimas.

Eu, por outro lado já estava como rosto coberto por elas.

- Como assim Felipe? Do nada?

- Ah Lau, você sabe que não é do nada. As coisas já não vão bem entre nós há tempos.

Tentei raciocinar enquanto sentia meu coração se partindo.
Sim, é verdade que nos afastamos muito nos últimos anos.
Temos trabalhos que nos desafiam, uma criança para cuidar e educar, uma casa para manter.

- Nos afastamos demais, Lau. Nem as coisas que gostávamos de fazer juntos, estamos fazendo mais.

Novamente era verdade. Sempre gostamos da companhia um do outro, sempre estávamos juntos fazendo coisas que um ou o outro gostava. Mas ultimamente, o tempo era curto, ou nos acomodamos e preferíamos fazer coisas separados.

- O... – Respirei fundo, tentando acalmar o choro para que eu conseguisse formular uma frase – O que você tá querendo falar? Fala, por favor.

- Eu quero o divórcio Lau. - Ele libera as lágrimas que estava lutando para não soltar.