[XVIII] Adorações e bênçãos

145 17 4
                                    

[JIMIN]

O perdi de vista à medida que seu corpo despencava, se afastando da superfície.

Permaneci suspenso no ar que congelei por minutos, desejando puxá-lo para cima. Mas eu não podia mais congelar o inferno.

Flutuei sobre o ar denso, em busca da moeda que voou de minha mão quando a Terra tremeu. A vi pairando sobre o ar quase na altura da minha cabeça.

Apertei na palma da mão. Descongelei o tempo. Bufei, voltando a ouvir gritaria humana.

Saí, caminhei por longas horas até chegar ao que antigamente chamávamos de pedreira, mas depois de mil anos, acabaram transformando em um parque.

Fui até a beira do deque que separava o chão elevado de madeira do riacho que levava às cachoeiras.

— Ao paraíso, amém — pedi para a moeda, em seguida a joguei para o alto.

A vi começar a cair e, quando passou pelos meus olhos, pulei junto dela na direção da água.

O calor da velocidade atingiu meu rosto com força, era tão quente que senti minhas roupas começarem a queimar, deixando meu corpo em chamas. E o impacto do corpo de carne e ossos com a água me desmaiou.

Acordei no meio de uma escuridão meio azulada. Os pulmões não funcionavam, mas estavam a ponto de explodir. Os braços e pernas apontados para cima e a coluna curvada em U.

Olhando para o alto, apenas o clarão meio azul e branco era visível.

Movimentei o corpo, senti absolutamente nenhuma dor. Então comecei a nadar, apressado. Tentando chegar ao topo à todo custo, mas tudo parecia ficar mais longe a cada segundo.

Parei. Fechei os olhos. Ignorei o clarão, nadei para baixo.

Cada vez mais fundo e quente, meus olhos arderam, precisei fechá-los de novo.

Bati a cabeça em lama, aquilo parecia ser o fundo da água empoçada. Cavei com minhas próprias mãos, a superfície começou a aparecer: mal-cheirosa e viciante aos sentidos.

Consegui fazer um buraco no fundo e passei o corpo ali. E saí em mais água, mas desta vez estava fervendo, tinha uma coloração vermelha, quase preta, e eu podia respirar mesmo ali embaixo.

No segundo em que passei por completo para aquele lado o buraco na lama se fechou e uma correnteza de água me empurrou para cima com brutalidade.

Sem tocar os pés na areia preta da praia, pus apenas os olhos para fora da água e vi o deserto mortal do limbo. Tudo vazio e bagunçado, a ventania quente e forte era o único som a ser ouvido e tudo a ser visto eram montanhas de barro e árvores queimadas.

Sibilei ordens.

O mar de sangue se abriu à minha frente num gesto gentil e submisso.

Caminhei para fora d’água, escondendo meu sorriso tão bem quanto escondo minhas verdades.

Mas nada havia para esconder meu corpo nu, totalmente pálido, molhado e indiscreto. Tanto que senti olhos em mim à cada passo que dava na direção da areia.

Olhei para a direita, bem ao topo da montanha mais alta pude vê-los. Todos eles. Parados, me encarando por debaixo dos capuzes pretos.

Um dos seis tirou o capuz, evidenciando seu rosto sobrenaturalmente esculpido e a coroa de pregos e ouro sobre seus cabelos escuros. Sua expressão firme e desafiadora era totalmente convidativa.

Disse alguma coisa.

Outro, na ponta, retirou o capuz, colocou um pano branco na boca e acenou com a cabeça. Os cinco restantes se viraram e saíram, deixando apenas a besta-fera com o pano andar até mim.

Me ofereceu o pano.

O desdobrei, encontrando uma coroa de areia fina como um colar. Sorri para ela, fazia muita falta em minha cabeça. Coloquei sobre meu cabelo e amarrei o pano no quadril, apenas para cobrir certas partes muito sensuais para aquele cenário.

O cão se abaixou e eu montei em suas costas.

— Me leve até a coroa — ordenei em seu ouvido e ele desatou a correr sobre suas quatro patas.

Depois de algum tempo andando sobre fogo e cadáveres, J-Malthus parou ao fim de uma floresta recheada de brincalhões pendurados em árvores.

De uma abertura feita na atmosfera pesada, Jinn desceu e parou ao nosso lado. Aproveitei para descer das costas da Besta e a deixei voltar para o meio das árvores sem vida.

O duque infernal me olhou, nada disse e nada expressou. Bateu sua bengala de prata no chão duas vezes e um portão gradeado de prata surgiu à nossa frente. Ele o abriu, entrou, estendeu um braço para me dar passagem enquanto ainda o mantinha aberto.

Entrei. O cenário se modificou:

O céu, antes cinza, se tornou vermelho devido o reflexo de algumas luzes em sangue seco que cobria boa parte do chão. À nossa frente havia uma espécie de escada brilhante que dava a um trono de ouro colocado sobre uma pilha de almas presas em bolas transparentes, todas muito escuras.

— Vossa majestade, o príncipe da nona esfera, Pyro — anunciou o duque em um tom alto e firme. A atenção de todos que pareciam curtir uma festança no salão do rei voltou-se para mim e um caminho até a escadaria se formou entre eles.

Jinn pressionou a bengala na base da minha coluna, me incentivando a andar. O que fiz sem um sorriso no rosto, mas meu interior estava alegre feito uma criança com um algodão-doce.

No caminho ninguém proferiu palavra alguma. No pé da escada, olhei para cima e vi Sat me olhando com olhos totalmente pretos e possessivos, retirei a coroa de areia e ele levantou mais a cabeça, me observando com uma superioridade provocativa, como se gostasse de me ver quase rastejando até si.

Cheguei ao topo.

Namoo, surgiu das sombras atrás de nós, tive tempo apenas de dar uma olhada rápida no objeto em suas mãos antes que ele as dirigisse até minha cabeça e encaixasse a coroa espinhosa de rubis negros ali.

Nada melhor que um anjo da morte para coroar um morto e torná-lo rei e marido.

A aliança em minha cabeça era pesada.

E o peso me trouxe de volta para à realidade. Olhei para baixo, onde todos estavam de joelhos no chão, reverenciando e orando para seu novo rei.

Ouvi Min-ody proferindo algum feitiço de criação atrás de nós e um trono preto emergiu do chão ao lado do trono de ouro.

Olhei para o lado, Sat estava apoiado sobre seus joelhos, me olhando com as mãos para cima e um sorriso ladino no rosto, como se recebesse uma benção divina.

Foi quando percebei que o rei do inferno não gosta apenas de ver um mentiroso rastejando até si, ele também gosta de estar aos pés de seu marido e adorar-me como se eu fosse um deus.

Sorri para ele e para tudo ao redor.

Entramos no jogo novamente, e nos tornamos perfeitos em brincar de ser reis.

Os olhos de Sat ficaram com íris vermelhas e, com uma reverência de cabeça, ele voltou a sua forma original: pálido, com chifres, marcas de pregos na cabeça e sorriso cafajeste.

Ele realmente criou um mundo onde podemos ficar juntos. Amém que o esperei.

Seu sorriso nunca morrera:

— Bem-vindo de volta, meu rei.

[FIM]

Garoto infernal • jjk + pjmWhere stories live. Discover now