Herr Einstein

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Nenhum barulho vinha lá de cima; seu silêncio tomava a casa e era apaziguante. Subi os degraus lentamente, evitando barulhos a qualquer custo. O corredor estava absolutamente escuro, e a única luz vinha da janela, que detrás dele, iluminava todo o quarto. Já posso vê-lo por entre a porta meio aberta. A maçaneta brilhava como um belo convite para entrar. Eu, porém, jamais entraria. É essa a exata visão que eu buscava: encontrá-lo concentrado, preso a algum enigma, inteiramente alienado à distração. O vento batia na mesa e bagunçava os papeis, ele nem percebia. Mamãe batia as panelas na pia, ele nem mesmo ouvia.


Ajoelhei-me entre o primeiro degrau e o piso do segundo andar e não saí. Fiquei observando cada movimento. Assim passavam os seus dias: quieto e recolhido, sentado e inclinado naquela dura cadeira de madeira, ele permanecia, horas a fio, com o lápis em mãos, no papel a rascunhar. Seus olhos piscavam de uma forma delicada, perpetuamente musical, e eu podia ver naquele gesto o mais belo afeto.


Quando se cansava ou quando as soluções pareciam evaporar de sua mente, impedindo-o de trabalhar, lentamente reclinava as costas para trás, fechava os olhos e exercia uma respiração profunda. Soltava a tensão das pálpebras, que lentamente se abriam, recebendo a luz que vinha de fora. Ele, então, apreciava as árvores que tanto adorava. Ao voltar para o escritório, sua mente se reorganizava, e se ainda assim a solução não viesse, ele abriria um livro. Lembro-me do cheiro, do eterno cheiro dos livros velhos. Não podia vê-los de onde eu estava, embora quisesse. As estantes ficavam na parte detrás do quarto, do lado oposto ao da porta. Contentava-me em ver suas leituras da vez, sempre empilhadas – e religiosamente alinhadas - sobre a escrivaninha.


Talvez seja essa a mais engraçada verdade que eu tenha encontrado: todos os ignorantes são idênticos, mas cada sábio o é individualmente. Sim, recorro à ajuda de Tolstói para dizê-lo. Cada sábio é ao mesmo tempo mestre e elemento de um mundo próprio, criado por ele, e no qual vive livremente, ainda que dentro dele o homem experimente a mais sincera, a mais profunda e amarga solidão.

Herr EinsteinWhere stories live. Discover now