2. Todos estão presos em reflexos

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No reflexo de um espelho, muito rachado e faltando pedaços, que cobria quase uma parede inteira, quatro olhos confusos se encaravam e compartilhavam das mesmas dúvidas em silêncio.

O local em que estavam não era das melhores condições, mas era um cafofo que Kaiser encontrou no último ano letivo. Desde então, fez dali um cantinho para As Cocatrices, logo depois se tornou uma salinha para se encontrar com os amigos e o namorado. Parecia ser um antigo reservatório de Poções de quase vinte metros quadrados usado há algum tempo. Sempre ficava muito empoeirado pela falta de ventilação, mas possuía uma única janela. A sala seguia os típicos parâmetros de Hogwarts, sendo a escola um castelo bem antigo, a sala não seria muito diferente das demais. As paredes eram de pedra e mármore empoeirado e cinzento, um chão de gesso escuro sem muitas decorações. Pilastras maciças coladas nos quatro cantos das paredes sustentavam um teto comum e reto.

Com o tempo, Kaiser foi decorando com alguns móveis velhos da Comunal da Lufa-Lufa que ninguém mais sentiria falta. Contou com a ajuda de um antigo amigo para encolher o que havia escolhido para levar e dessa forma transportar até a pequena salinha secreta atrás de uma tapeçaria nova no corredor dos Porões. 

Havia um loirinho descansando em uma poltrona alta com o estofado inteiramente rasgado e manchado pelo tempo. Kaiser não vestia mais o uniforme, já que não teria mais aulas naquele dia. Ele vestia um colete de alfaiataria cinzento, sem nada por baixo, este era seu estilo porque amava deixar os braços magros despidos. Nada muito chamativo, optara por uma calça chino comum escura e bem larga, onde nas alças para o cinto de couro ele havia amarrado uma corrente de prata que escorria até o nível dos bolsos. Era de fato muito charmosa e nunca ficava sem, como as suas duas pulseiras de couro com espinhos brilhantes de metal que utilizava nos pulsos.

Kaiser via pelo reflexo do espelho na sua frente uma outra pessoa logo atrás da poltrona. Essa outra pessoa era caracterizada por um semblante muito simpático por natureza, mas de trejeitos puramente enigmáticos:

Tinha um jeito muito bem apessoado, pele morena e com lindos cachos pretos bem cuidados cobrindo o topo da cabeça até as orelhas. Em seu rosto não havia uma única espinha, porque era muito bem tratado e a sua pele morena era lisa como bumbum de bebê. O seu conjunto de uniformes da Corvinal eram muito bem combinados e ornados para transmitir a sua energia de liberdade excêntrica na dose certa, porque não era como os dos demais estudantes: O seu nome é Rio, que namora Kaiser desde o começo do ano letivo.

Rio estava atrás de Kaiser segurando uma tesoura na mão e um pente fino na outra, então encarou os globos do namorado pelo reflexo como se estivesse com disposição para ler a mente dele ali mesmo.

— E você saiu se mostrando assim de cueca para todo mundo, é? Hum...

A voz doce e meiga saiu da boca de Rio e encantou Kaiser como sempre encantara. Rio era menor que o namorado, tão menor que só com Kaiser sentado para conseguir tocar o queixo no topo daquela cabeleira loira. E ele fez isso, porque amava. Naquela posição, ficou encarando Kaiser pelo reflexo do espelho com os seus braços sobre os ombros dele.

— Mas foi para quebrar o clima, cabeção. Eu juro! — Dissera Kaiser, com algum certo tom de arrependimento na voz.

E Rio riu baixinho, a típica risada que Kaiser amava tanto, que era quando Rio sentia a necessidade de levar a mão sobre a boca para abafar o som. Kaiser considerava aqueles simples gestos eram tão fofos e encantadores. Fazia-o ficar ainda mais apaixonado.

— Eu sei, bobão. — Rio complementou baixinho depois da risada, voltando com a postura ereta de antes. Começou a medir algo na cabeça de Kaiser com os dois dedos indicadores. O pente e a tesoura continuavam entres os dedos de Rio até que começaram a trabalhar para aparar o mullet rebelde de Kaiser.

Kaiser apenas fechou os olhos e respirou fundo, visitando todo o tempo as memórias do que havia acontecido de manhã. Ouviu-se apenas ruídos secos de uma tesoura paciente. Rio terminava de picotar um pouco dos fios das partes laterais do mullet de Kaiser enquanto cantarolava baixo, porque ele já estava muito grande. Kaiser decidiu reabrir discretamente os olhos para assistir tudo pelo reflexo com um pequeno sorrisinho no rosto. Rio tinha cara de quem sabia o que estava fazendo, e realmente sabia. Isso deixava Kaiser apaixonado.

O Guitarrista do Fim do MundoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora