Sem a sua presença, todos os nossos lugares parecem estranhamente vazios. O lado esquerdo da cama, a poltrona onde você costumava ler, nosso lugar de sempre na areia, sob o sol delicado do fim de tarde. Vazio. E dentro de mim, também. Um buraco negro.

Você continua a existir na sua ausência, sabia? Acho que nem deve saber. Acho que pensou que podia sumir mesmo, desaparecer por completo, sem vestígio. Me deixar do jeitinho que encontrou. Deve pensar que eu nem percebi sua partida. Seu idiota.

Não dá pra se desinventar da mesma forma como se inventou.

Meses se passaram e eu recolhi e guardei toda a sua tralha maldita e agora já não tem vestígio físico seu no meio do meu caminho e, às vezes, por um segundinho só, o mundo parece ter voltado pro devido lugar. Aí num instante estou aqui, fazendo o que tenho que fazer (jantando, assistindo televisão, pagando contas, preto-branco e todo o gradiente cinza no meio disso) e sigo assim, reclamando do que não posso controlar, controlando o que posso e, então, me dou conta de que você não está ao meu lado. Essa ausência me surpreende. Paro, inerte, incapaz de continuar seja lá o que estivesse fazendo antes, consumido por uma tristeza brusca, um troço que me afunda. A sua falta gruda em mim feito chiclete na bota, e é insuportável. Sou preenchido por um sentimento absolutamente desolador.

Até hoje me pego questionando se você pensou em como eu ficaria depois da sua partida. Mesmo que por um segundo sequer. Imagina só: você foi embora e me deixou pra trás. Visualiza a cena: seu miserável pintor sentado na cama, encarando a porta, por dias esperando a sua volta. Imagina isso. Que diabos você acha que eu fiz, hein? Gostaria de ver você tentando adivinhar.

Eu te procurei. Estrada afora, asfalto atrás de asfalto, assistindo pela janela do carro as árvores despidas e desbotadas correndo em alta velocidade na direção oposta, eu nadando contra corrente. Fiz o caminho do nosso primeiro passeio, até o outdoor, procurei a mulher abraçada a pães, mas também não encontrei ela. Não estava mais lá. Em vez disso, dei de cara com um anúncio de salgadinho tipo chips, desses que vem em sacos barulhentos e esfarela pra tudo quanto é lado, exalando aquele cheiro característico. Você ia detestar ainda mais este novo monumento publicitário.

Cheguei ao nosso outdoor e, pra ser sincero com você, eu nem saí de dentro do carro. Não pude. A gaivota continuava flutuando no meio do céu, agora mais apagada e triste. Doeu pra cacete, nem sinal de você por lá, nem pista, nadinha, e aí eu pisei no acelerador.

E mais grama mal cuidada, lojinhas de souvenirs no meio do nada, onde a gente pode comprar um imã de geladeira, caneca ou uma dessas camisetas terríveis. Mas não encontrei você, nem em Meio do Nada, nem em Lugar Nenhum.

Só que desistir nem passou pela minha cabeça, eu te juro, pelo menos não naquele primeiro mês. Corri atrás de Deus e o mundo por você, V. A vovó da pousada, aquela onde você tocou piano, me recebeu com um sorriso daqueles, o tipo de sorriso pro qual não se pode negar nada, e fui forçado a aceitar um café. Havia uma mesa de senhoras jogando baralho ao lado da horta. Analisei o piano, uma camada grossa de poeira descansava sobre a madeira. Dali não saía música há um bom tempo. A vovó percebeu que eu reparei, devo ter ficado com aquela cara distraída que você conhece, sabe? Quando você apertava um dedo carinhoso no meio das minhas sobrancelhas e me trazia de volta pro presente. Enfim. Ela perguntou de você (a vovó). De Oscar, na verdade. Quis saber se estava bem, o que andava fazendo, se comia direito. Me disse que você prometeu voltar lá, mas nunca voltou. Já o vovô, caducou. Se esqueceu de nós.

Fui à praia, aos restaurantes, até naquele motelzinho de segunda. Revirei a cidade de cabo a rabo. Nada. Assim como minha conversa inútil com Namjoon, cada caminho me levava a mais um beco sem saída. E eu metia a cara na parede.

Vinte Minutos e V Where stories live. Discover now