Prólogo

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Alice

Numa casa grande, aconchegante e com janelas brancas de Long Beach, Califórnia, o despertador tocava todos os dias às 6h30. Como era de costume, Alice deslizava a mão para fora do cobertor colorido e apertava o botão que interrompia o alarme.

Lá embaixo, o som dos louvores preferidos da sua mãe, Martha, já enchia o ambiente. Alice suspirou.

Mais um dia.

Ela não sabia que, em algumas horas, sua vida se cruzaria com a de dois meninos numa van amarela. Nem fazia ideia que, naquele mesmo instante, numa praia famosa de San Clemente, eles colocavam suas mochilas na parte traseira do veículo, se preparando para partir.

Enquanto levantava da cama e olhava seus cabelos bagunçados no espelho, Alice não sabia que, no dia seguinte, sua vida mudaria para sempre.

Era domingo e... "Domingo é o dia do Senhor", como Alice escutava desde pequena. Por isso, entrou logo no banho e deixou a água quente relaxar seu corpo, mas não demais, para não perder o horário e precisar escutar durante todo o percurso até a igreja como ela era relaxada com as "coisas de Deus". Ainda com a toalha enrolada na cabeça, pegou na parte esquerda do armário – entre as roupas que só usava para ir ao culto – um vestido rodado azul, um dos preferidos da sua mãe. Hoje ela tinha um pedido especial para fazer aos pais, e precisava deixar eles satisfeitos.

Por um momento, Alice se divertiu olhando para a parte direita do armário, onde estavam as roupas que ela realmente gostava de usar. Se a sua mãe soubesse os brechós esquisitos que ela entrava para comprar aquelas calças, botas e cintos... 

Enquanto se vestia, os pensamentos de Alice voaram, partindo das novas botas que precisava comprar até o olhar de reprovação da mãe quando ela contasse sobre o seu mais novo projeto. Ela sabia o quanto era diferente da sua família em quase todos os aspectos e era exaustivo viver escondendo sua verdadeira identidade, e justamente das pessoas que mais amava. 

Em casa, era Alice: com seus vestidos rodados, louvores e submissão. Na rua, a conheciam por Allie, com suas loucuras, roupas exageradas e sonhos malucos. No fundo, ela não detestava os pensamentos dos pais... Ela gostava dos cultos e todos os dias se ajoelhava no quarto para conversar com Deus. Só acreditava que Ele preferia um coração sincero – mesmo que coberto por uma camiseta de rock – do que um espírito preso em regras e punições.

Antes de sair do quarto, Alice olhou mais uma vez no espelho. Sua mãe estava certa: seus olhos azuis combinavam com aquele vestido turquesa. Antes de soltar os cabelos escuros, Allie virou o rosto e viu a pequena tatuagem no pescoço: dois traços horizontais e um na diagonal, os cortando ao meio. Na matemática, aquele símbolo representava "diferença".

Ela soltou os cabelos e deu um sorriso travesso, escondendo a tatuagem que seus pais nem poderiam sonhar que estava ali.

Não tinha jeito... Alice era diferente.

Zachary


Aquele não era um bom dia para surfar em Trestles, e Zach e Joe sabiam bem disso. Mesmo assim, às 5h30 os dois amigos cruzaram a linha do trem com suas pranchas, vestindo apenas seus shorts que cobriam metade das coxas. Era meados de junho, mas o o verão ainda não tinha chegado completamente, fazendo com que o vento frio castigasse suas costas nuas.

Eles sabiam que deveriam, pelo menos, ter vestido suas roupas de borracha para amenizar a temperatura do oceano, mas como num pacto silencioso entre os dois, preferiram sentir pela última vez – em sua plenitude – as águas da sua praia preferida.

Naquela manhã, Zach e Joe não conversaram muito, o que era raro entre os amigos. Caminharam em silêncio em direção ao mar, sentindo as pedras machucarem a sola dos pés descalços e deixando as suas mentes se perderem em pensamentos. Ambos sentiam que era uma despedida. Não do local, em si, mas de quem eles eram naquele momento.

Próxima parada, Liberdade!Where stories live. Discover now