Capítulo 38

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— Kevin, acorda

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— Kevin, acorda. Você quer ir ao banheiro? — perguntei enquanto tentava fazê-lo se sentar.

Mas ele apenas murmurou coisas sem sentido e continuou dormindo.

Eu estava muito apertado e minhas pernas doíam de tanto ficar sentado. Apesar do ônibus ser bem espaçoso, as minhas pernas não ficavam muito bem esticadas, então a dor era inevitável. Mas, ao mesmo tempo, eu não queria deixar Kevin sozinho ali, aliás, nem poderia. Por isso, optei por ir ao banheiro do ônibus mesmo.

Então embrulhei Kevin com um casaco meu e me levantei.

Quando retornei ao meu lugar, resolvi comer alguma coisa. Lorena me havia feito trazer uma mochila apenas com lanches, então apanhei um sanduíche e comecei a comer. Foi quando meu celular começou a tocar.

Eu fiz uma verdadeira manobra para segurar o sanduíche e o refrigerante em uma mão e apanhar o iPhone que estava no meu bolso; e, quando, finalmente, estava com ele em mãos, vi que se tratava de Lorena.

— Alô — atendi num tom baixo, pois sabia que havia pessoas dormindo no ônibus.

"Então você está vivo?" ouvi sua voz do outro lado da linha e sorri.

— Tô... Por quê?

"Eu te mandei mensagem oito horas, depois dez e agora há pouco, meia-noite, mas você não respondeu. Achei que tivesse acontecido alguma coisa."

— Desculpa, eu não vi. Eu estava dormindo.

Um curto instante de silêncio se instalou entre nós como sempre, até que Lorena disse em um tom que pareceu hesitante:

"Eu achei que você tivesse ficado... Sei lá! Achei que estivesse me dando um gelo."

— Gelo? Por quê?

"Você sabe porquê..."

Eu soube no instante em que ela disse, mas confesso que havia me esquecido do que tinha acontecido horas antes na rodoviária.

— Ah... — Ri baixo — Aquilo... Não, eu... Tudo bem. Eu já havia me esquecido...

"Você esqueceu?"

Não sei o porquê, mas, de repente, eu tive a impressão de que ela estava decepcionada.

— Quero dizer, eu acabei dormindo e acho que me desliguei um pouco do mundo...

Um novo instante de silêncio e, então, eu escutei Lorena rindo do outro lado da linha.

"É a primeira vez na minha vida que alguém me diz isso, sabia? E eu confesso que estou me sentindo uma adolescente agora. Porque eu passei o dia inteiro preocupada, achando que, talvez, você tivesse me interpretado mal pelo que aconteceu. Mas..." ela riu mais e completou: "Eu não sei se fico feliz ou triste em saber que você se esqueceu".

— Eu esqueci apenas por um instante, porque eu dormi, mas... — Senti minhas orelhas queimarem. — Mas eu passei as primeiras horas da viagem sem conseguir parar de pensar nisso.

"E o que você pensou?" seu tom de voz soou divertido e eu não pude evitar sorrir, enquanto algumas pessoas passavam ao meu lado e me olhavam.

— Eu... Na verdade, eu não consegui pensar muito.

Eu queria ter respondido a aquela pergunta melhor, mas a vergonha me impediu. Queria ter dito que eu não pensei mal dela e nem desgostei de sua atitude. Eu apenas fiquei sem reação, porque nunca algo semelhante havia acontecido comigo. Mas também queria ter dito que não sabia o significado daquilo que aconteceu. Por sorte, ela assumiu a direção da conversa depois de alguns segundos de pausa:

"Olha, Raul, eu vou entender perfeitamente se você me disser que aquilo não significou nada para você, porque a verdade é que..."

Lorena segurou as palavras por alguns instantes enquanto eu apenas meditava em cada frase sua.

"Eu tenho um defeito" ela continuou. "Eu sou muito impulsiva. Se alguém me irrita, eu costumo ir além, sabe? Já tive que pedir muitas desculpas por coisas que eu falei ou que eu fiz. Mas o contrário também é verdade. Se eu gosto de alguém, eu mergulho de cabeça sem nem olhar para onde estou indo. Talvez seja por isso que eu me dei tão mal nessa coisa de vida amorosa. E... Eu acho que fui um pouco impulsiva com você na rodoviária. Uma parte de mim achou que nunca mais fosse te ver e... Você sabe. Só que a minha outra parte sabe que as chances disso vingar são muito poucas. Não por sua causa, é claro! Mas por causa de mim. Você é um rapaz novo e... Merece coisa muito melhor. Então pode encarar aquilo como um devaneio meu, um breve momento de loucura."

Ela riu assim que terminou, mas acho que eu já a conhecia o suficiente para saber que seu riso não era necessariamente de felicidade.

A única coisa que eu não entendi, porém, foi sua insistência em se menosprezar quando, na verdade, era eu que me sentia pequeno diante dela. Inclusive, até então, eu não tinha ideia de que ela me via com aqueles olhos.

— Eu não sabia que você sentia algo assim... Por mim.

"Eu também não tinha noção do tamanho disso até que você disse que iria para Pernambuco."

— É que você disse que eu mereço coisa melhor, mas... — Ri sozinho — Eu penso justamente o contrário, que é você que merece coisa melhor. Afinal, você é... Um pouco inalcançável para mim. Eu sempre me cuidei para não tirar os pés do chão e, bem, faz pouco tempo que eu saí da rua, então pedir a Deus ou simplesmente sonhar em ter alguém como você na minha vida seria, no mínimo, tentar a Deus. É como se Ele olhasse para mim e dissesse: "Alto lá, Raul! Você está querendo demais."

Fiquei feliz quando ouvi sua risada do outro lado da linha. Enquanto eu, do lado de cá, ainda segurando o sanduíche e o refrigerante com uma mão, apenas pensava no fato de que eu realmente achava que ela era demais para mim.

"Acredite em mim, Raul, eu não sou isso tudo. Na verdade, se Deus..." ela deteve as palavras e, de certa forma, eu soube o porquê. Ela ainda não acreditava. "Se Deus te unisse comigo, ele estaria te castigando, não te abençoando."

Ela riu outra vez, mas eu não me senti à vontade para rir. Ela não sabia o que estava falando.

— Não diga isso, Lorena. Você é uma pessoa incrível.

"Não sou eu que sou incrível, Raul, é você que é bom demais."

— Não, Lorena, eu vou ter que discordar. Você é sim, uma pessoa incrível, e tem um coração bom. Deus certamente se agrada muito de você por causa disso.

Seu silêncio foi a minha resposta. Nossas conversas sempre terminavam com reticências. 

O Malabarista - ConcluídaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora