+ Mestre Espião +

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- De fato muito angustiante. - Eu sussurrei, contendo minha vontade de revirar os olhos mais uma vez. Assisti seu sorriso de lado crescer, junto de suas sobrancelhas levemente juntas, em um olhar que sempre me tirava o fôlego. Suas mãos largaram o livro sobre as pernas estendidas.

Sua boca se abriu, provavelmente para soltar algum comentário maldoso e alfinetador, mas acabou se fechando novamente. E com o sorriso leviano mantido em seu rosto, ele disse: - Não estará perdendo nada. São apenas pessoas metidas, em trajes caros, e muito suco de maçã ruim. - Ele comentou, cortando mais um pedaço de sua maçã.

- Nada de brioches e docinhos? - Eu perguntei, fazendo alusão à toda a culinária Outonal ao qual eu tinha provado. Eris sorriu, negando com a cabeça e emitindo um "hãh hãh".

Deixando sua maçã comida de lado, Eris se voltou ao livro. - Achei esse livro de poesia, de antes da lei de Beron. - Ele me mostrou a capa de couro verde, os dedos marcando a página. - Posso ler...?

- Por favor! - Eu quase implorei, agarrando seu braço e me aproximando de seu corpo lentamente. Apoiei minha cabeça em seu ombro, sentindo seu braço forte em minhas mãos. Tive que evitar o desejo de apalpar e deslizar meus dedos pelo tecido, já que era de meu conhecimento que as coisas íam e vinham entre nós com muita intensidade. Eu não queria que Eris se distraísse.

- Se chama O beijo de Vênus. - Sua voz saiu calma, baixa. Senti o peso de sua cabeça no topo da minha, e não pude segurar o sorriso. - "O beijo de Vênus têm me feito seguir todos os dias(...)"

Sua voz era baixa, agradável e macia. As palavras deslizavam ao vento como manteiga derretida, e o calor delicioso que emanava de seu corpo me abraçava. Sem conseguir me conter, virei meu rosto, esfregando suavemente meu nariz pelo tecido em seu braço. Eu simplesmente adorava o perfume de Eris. Algo cítrico como laranja, e um toque de menta bem no fundo. Era fresco e me acalmava. - É lindo. - Eu sussurrei quando ele terminou. Senti seus lábios no topo de minha cabeça. - Vênus não faz parte dos antigos deuses?

- Sim. - Ele concordou. Eu levantei os olhos para seu rosto, ainda encostada em seu ombro. Os antigos deuses, como eram chamados, faziam parte da crença humana. Mas era uma história esquecida, mais como lendas do que qualquer coisa.

- Ares também. - Eu percebi. Eris me lançou um olhar distante antes de responder.

- Meu pai tinha um grande interesse pela mitologia humana. - Seu olhar se cravou no horizonte, deixando seus olhos sem chamas quase amarelos. - Talvez tenha sido seu único interesse não abominável, além da pesca e da caça. - Algo em meu peito se embrulhou com seu tom soturno.

- Seu pai... ele sempre foi assim? - Eu perguntei, com medo de estar me intrometendo muito. Eris nunca falava de coisas pessoais, nunca falava sobre seu passado. E não era como se fosse um grande desconforto pra mim, apenas não era equilibrado. Eris sabia quase tudo sobre mim, até mesmo detalhes triviais. E por mais que pareça bobo, eu me sentia um pouco chateada por não saber sobre sua infância ou coisas que gostava de fazer ao longo do tempo.

Eris balançou a cabeça em resposta - uma negação. Eu quase me engasguei de surpresa ao vê-lo se abrir. - Ele mudou completamente antes da segunda gravidez de minha mãe, sessenta anos após meu nascimento. Antes disto, eu o adorava... E queria ser como ele. - Eu abri a boca para questionar mais uma vez, mas não o fiz, querendo respeitar seu espaço. Era o máximo de curiosidades que eu jamais havia escutado sair de sua boca. Entretanto, vendo minha expressão, Eris sorriu fraco, e continuou a dizer: - Ele se apaixonou por uma de nossas empregadas na época, uma escrava humana. Meu pai não manteve relações conjugais com minha mãe durante trinta anos, por estar doente de amor. E por muito tempo eu não consegui compreender a situação, ou como minha mãe poderia estar de acordo com aquele tipo de casamento. - Suas sobrancelhas se juntaram, suas mãos gesticulando sobre o colo. - Só percebi o que acontecia após a humana adoecer com algum tipo de febre terrível, suas tosses eram ouvidas por toda a ala de criados. Meu pai mudou naquela época, ele nunca se pareceu tanto com a imagem de meu avô. Por diversas vezes fui obrigado a ouvir seus planos insanos sobre roubar o Caldeirão. Ele ficou tão louco e fora de si... - Sua cabeça balançou em descrença. - Era como se pudesse cometer qualquer ato inconsequente para mantê-la viva. - Seus olhos vieram até mim, uma expressão dura e pensativa tomando sua face por longos minutos. Eu não me atrevi em dizer algo, já que Eris parecia preso em seus próprios pensamentos e conclusões. - Mas ela morreu. E ele ateou fogo em toda a ala naquela noite, matando todos os humanos e feéricos inferiores que trabalhavam para nossa família.

𝐀 𝐂𝐨𝐮𝐫𝐭 𝐨𝐟 𝐖𝐢𝐥𝐝𝐞𝐬𝐭 𝐃𝐫𝐞𝐚𝐦𝐬 | Eris Vanserra Where stories live. Discover now