É claro que, no início, eu tinha muita vergonha de sorrir, — ainda tenho um pouco — e a razão era simples, mas, ao mesmo tempo, difícil para mim: eu não queria que ninguém notasse a falha que eu tinha no lado esquerdo da boca.

Às vezes, até brigo comigo mesmo, pois, parte de mim, acredita que essa minha preocupação não passa de vaidade, mas então percebo que não consigo evitar ficar embaraçado. Eu havia perdido um dos meus dentes da frente em uma queda e não havia um só dia em que eu era capaz de superar isso, exceto quando Lorena me fazia sorrir.

Sim, eu sorri quando ela disse aquelas palavras e nem sei porquê.

— Não, acabo de acordar — respondi e a olhei.

Ela ergueu as sobrancelhas e foi possível perceber um sorriso no rosto dela também enquanto ia até o armário, onde apanhou um copo de vidro.

— Gilda, você tem algum analgésico? O meu acabou e eu tô morrendo de dor de cabeça.

— Eu tenho, sim, querida, mas... Você já olhou essas dores de cabeça? — Gilda perguntou com o tom maternal que era característico dela.

— Eu falei com a minha obstetra, mas eu sou assim. Também senti muita dor de cabeça quando tive o Bernardo e o Ícaro.

— Mas você não conseguiu descobrir o motivo? — Gilda perguntou mexendo na bolsa dela, imagino que à procura do remédio.

Lorena negou com a cabeça e respondeu com seu típico tom brincalhão:

— O motivo era o Victor.

Gilda riu abafado e entregou-lhe o remédio, dizendo:

— É complicado! A gente já sofre com a gravidez e ainda tem que aguentar certas coisas.

— Exatamente! O cara, ao invés de te ajudar, faz é atrapalhar. Quero dizer... Eu sei que não são todos.

— Não, certamente não são todos. Existem homens bons...

— Difícil é achá-los. E, quando acha, ou são casados ou são novos demais — Lorena acrescentou em meio a um riso abafado.

E Gilda concordou.

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Eu estava ansioso para a consulta com Lorena e não havia maneiras de negar. De fato, eu tenho um certo pavor de dentistas. Na verdade, acho que é uma mistura de vergonha com medo. Quando criança eu não tive boas experiências com o dentista da região onde eu morava. Devo ter levado isso para toda a vida.

Mas Lorena disse que era para eu ficar tranquilo, até porque, segundo ela, meu nervosismo só ajudaria a piorar as coisas. Ela estava certa.

Eu nunca havia entrado em sua sala. Ao entrar, ela fechou a porta atrás de mim e apontou para a cadeira, dizendo:

— Pode deitar lá.

Meu coração estava no pé da garganta. O lugar era tão polido, tão branco que, de repente, eu me senti inibido de ter que abrir a boca ali. Não é fácil deixar a timidez de lado em circunstâncias como essas.

Ainda há pouco, eu havia tirado algumas radiografias da boca, ali mesmo na clínica. Então, assim que deitei na cadeira — um pouco desengonçado é claro, pois eu era ligeiramente maior do que ela — vi Lorena, de costas para mim, colocar uma das radiografias em um desses aparelhos para analisar raio-x. Ela parecia entender muito bem daquilo e isso, de certa forma, me deixou um pouco mais relaxado.

— Uai, Raul. Os seus sisos não nasceram? — Lorena me perguntou, virando-se enquanto colocava as luvas.

— Não sei.

Ela riu da minha resposta e se sentou na cadeira ao meu lado, dizendo:

— Não nasceram. Você não sente a sua gengiva, lá atrás, meio dolorida?

— Às vezes.

— É por isso.

Lorena consertou aquela lâmpada em cima do meu rosto e a acendeu.

Eu não sabia quando deveria abrir a boca e isso estava aumentando minha ansiedade em progressão geométrica. E talvez, só talvez, eu tenha deixado isso escapulir ao meu semblante, pois, à certa altura, Lorena riu abafado e disse:

— Relaxa, Raul! Eu não vou te morder.

Tentei rir também, mas não sei se funcionou muito bem.

— Vamos lá?

A resposta verbal que eu pensei em dar não saiu, apenas assenti com a cabeça e abri a boca como se estivesse abrindo uma porta emperrada. Até parecia que meus lábios estavam grudados um no outro com superbonder, tamanho foi o esforço que fiz.

Então, quando senti a cadeira descendo, fiquei confuso e até achei que estava ficando tonto, pois percebi que Lorena estava ajeitando algumas coisas sobre uma mesinha próxima. Não parecia haver possibilidade de ser ela quem estava movendo a cadeira.

— Lorena.

— Oi...

— Acho que eu tô tonto.

— Tonto?

— Sim, parece que a cadeira está se movendo.

Ela riu.

— A cadeira está se movendo mesmo, Raul. Eu que estou abaixando ela.

— Mas... Como?

Suas mãos estavam diante da minha vista. Como ela poderia estar movendo aquela cadeira?

— Aqui embaixo — ela respondeu.

Olhei de relance. Não quis me mover muito, mas aparentemente havia um pedal.

Deus, eu senti meu rosto queimar.

— Você é muito ansioso, Raul — Lorena disse e, mesmo que ela estivesse de máscara, eu sabia que ela estava sorrindo, pois seus olhos estavam comprimidos.

— Você nem imagina o quanto.

— Mas não tem motivo para você ficar tenso. Sou eu que vou te atender.

Lorena abaixou a máscara após aquelas palavras e me fitou. Acho que ela não sabe que, quando seus olhos estão sobre mim, as coisas se tornam ainda mais difíceis.

— Não confia em mim, Raul Amorim?

Ri sem saber porquê. Ela era tão engraçada, mesmo quando não parecia querer ser.

O Malabarista - ConcluídaWhere stories live. Discover now