Charles saiu do banheiro de toalha. Seus pés ainda estavam molhados e deixaram um rastro pelo chão de madeira até seu quarto. Ele tratou de colocar uma roupa bem quente para dormir, nada mais de frio aquela noite, concluiu ele.

— Você tá bem? – Perguntou Justine, olhando para ele da porta.

— Sim, eu já estou bem melhor, obrigado.

— Quer alguma coisa? Se quiser ajuda pra fazer um curativo.

— Não vai precisar, obrigado mesmo. Vou dormir agora, estou morto.

— Tudo bem, boa noite viu? Até amanhã – Justine fechou a porta com sutileza, uma coisa rara. Justine podia ser muitas coisas, mas com certeza não era uma mulher delicada, ela era do tipo competitiva, odiava eletrodomésticos, um dia jogou um micro-ondas pela janela porque ele não estava aquecendo direito – segundo ela, apenas metade do seu prato estava quente. — Às vezes passava a madrugada jogando videogame e gritando com a tela.


— Boa noite – disse ele já no escuro.

O calor do seu cobertor trouxe sim uma certa sensação de alivio, de que era o fim daquele dia e que nunca mais teria que vive-lo novamente. Mas ele sabia que o dia seguinte seria mais uma luta e ele não podia ficar parado, tentou fechar os olhos, mas os murmúrios em sua mente o mantiveram acordado. Não conseguia dormir, decidiu ligar o computador, procurar alguma resposta na internet, sempre tem uma resposta na internet.

Sua pesquisa tinha palavras chave como "Transferência" e "Memoria" ou "toque", "Transferência de memoria por toque" os resultados em sua maioria davam a páginas sobre computação e hardware. Charles já estava quase desistindo quando achou um documento em PDF sobre um estudo feito por um médico chamado Herbert Klein

"O cérebro e o armazenamento de memória, do Doutor Herbert Lapreu Klein."

O seu texto basicamente citava uma série de comparações do nosso cérebro com partes de um computador. Na sua segunda parte ele falava sobre a conexão entre gêmeos e partes do corpo amputadas. Não era muita coisa, quando Charles percebeu que o doutor Klein era de Londres, decidiu que deveria encontra-lo. Quem melhor do que um neurologista para informa-lo o que ele tinha ou não. Charles estava decidido a deixar o medo de lado e encarar o tal doutor, fosse o resultado o que for.

Já era tarde quando desligou seu computador e deitou em sua cama novamente. Torcia para que o nervosismo desse a ele uma trégua para conseguir dormir, já não dormira muito bem na noite anterior e suspeitava que não dormiria bem nessa também. Respirou bem fundo, o vento batia na janela acima de sua cama e ele pode ouvir novamente o recomeço da chuva batendo no vidro. Ah, aquele som era música para seus ouvidos, ele foi relaxando seus músculos um pouquinho de cada vez e sentindo a maciez do lençol debaixo dele, tudo foi ficando calmo até que finalmente adormeceu.

Charles se viu em um palco, sentado em uma cadeira de madeira que se balançava para os lados. Na plateia, uma multidão o encarava sem expressar nenhuma emoção, todos estáticos com um olhar de peixe morto. Esperavam que algo acontecesse. Ele não sabia o que fazer, pensou em correr mas desistiu quando percebeu que a maioria das pessoas que estavam na plateia seguravam facas, algumas grandes, outras pequenas, de todas as cores. Estavam cada vez mais bravos e impacientes, agora ele entendia o que fazia ali. Entendia que ele tinha que provar que não era uma aberração, que não era um monstro. O problema é que ele não tinha como provar isso, nem ele sabia mais o que era. Uma a uma, as pessoas foram ficando de pé. Charles se pôs de pé também e a cadeira atrás dele desmoronou, ele então tentou correr para o fundo do teatro, a plateia corria em direção ao palco. Charles pulou na cortina vermelha e mergulhou em um poço onde caia em um abismo sem fim.

As Pontes InvisíveisWhere stories live. Discover now